CRÓNICAS DE UM MUNDO NOVO A roleta russa da Suécia (artigo de José Manuel Delgado)
A Suécia decidiu marchar com o passo trocado do resto do mundo e enquanto quatro mil milhões de seres humanos eram obrigados à prática de uma rigorosa exclusão social, o governo de Estocolmo apostou, contra os avisos da comunidade científica, numa estratégia de criação de imunidade de grupo, manteve a atividade habitual a correr, com ligeiras restrições, e ficou à espera ninguém sabe muito bem de quê. Nem mesmo perante as evidências de achatamento das curvas nos países confinados, os suecos cederam; continuaram nas suas vidinhas, em grupos de até 50 pessoas, a animar as ruas e a secar as adegas dos pubs.
Hoje, o primeiro ministro Stefen Lofven veio a público, com ar solene, avisar os compatriotas para o facto de «milhares de mortes» serem esperadas no país. «Vamos ter muito mais gente nos cuidados intensivos», afirmou em entrevista ao Dagens Nyheter, rematando que «estamos confrontados com um horizonte de milhares de mortes e temos de nos preparar para tal.» Ou seja, os suecos, que neste contexto de Covid-19 não se prepararam para a vida, estão agora a ser avisados que devem preparar-se para a morte!
Ao longo das últimas semanas, à medida que os países limítrofes tomavam medidas cautelares contra a pandemia, o Governo sueco manteve abertas as escolas primárias, não restringiu as saídas de casa, limitou-se a um aviso de manutenção de distância prudente, permitiu que os bares e os restaurantes admitissem uma lotação até 50 clientes, e fez orelhas moucas a uma petição, assinada por milhares de médicos e académicos, incluindo o presidente da Fundação Nobel, Carl-Henrik Heldin, no sentido de ser arrepiado, em tempo útil, caminho. Não foi. E agora, o povo do reino da Suécia é avisado para se preparar para o pior, quando a curva de infetados e mortos, que se manteve durante algum tempo num planalto, começou a subir em flecha.
A Suécia tem o mesmo número de habitantes de Portugal, dez milhões, e os números, atualizados hoje (www.worldometers.info), mostram que o país contabiliza 7.206 casos (em Portugal 11.730), com 477 mortos (em Portugal 311) e 590 doentes nos Cuidados Intensivos (em Portugal 270). Os suecos fizeram 36.900 testes (em Portugal 91.794). E, mais grave e daí o dramatismo da comunicação do primeiro-ministro Stefen Lofven, a evidência de, ao contrário de Portugal, ser esperada uma explosão de casos, à qual, reconhece o governo de Estocolmo, os serviços sanitários do país terão muita dificuldade em dar resposta cabal.
A via do experimentalismo pode vir a sair muito cara a um país de primeiro mundo como a Suécia, que deve vir a pagar um preço superior àquele que lhe caberia, se tivesse optado por atempadas políticas de contenção.
Mas, se não for encontrado, em tempo útil, um medicamento eficaz contra a Covid-19 e uma vacina contra este «bicho» assassino, o que vemos no hemisfério Norte não será nada quando comparado com a crónica de uma catástrofe anunciada que está a ser escrita no hemisfério Sul.