Espaço Universidade A bruxa e o mago (artigo de José Antunes de Sousa, 112)
Sempre se soube do hábito de certa gente do futebol - muitos mais do que se possa pensar - entregarem, de olhos em alvo, generosas quantias nas mãos de bruxos e bruxas, crentes que estão que há certos meios, obscuros e eficazes, de manipular e condicionar os resultados dos jogos.
Porquê? - perguntar-se-á. Aqui vai uma resposta - múltipla, como múltiplos são os motivos que levam tanta gente a recorrer a estes serviços:
Desde logo e acima de tudo, a este tipo de práticas subjaz a universal crença no radical desvalimento do ser humano: impotente e incapaz de assumir o poder ontológico que, pela sua divina condição, lhe é inerente, lança mão de qualquer expediente que acredite possa minorar-lhe as dores e alisar-lhe o pedregoso caminho que o destino parece ter-lhe reservado. O recurso ao arsenal do mundo esotérico é correlativo da concepção da vida como “vale de lágrimas “ - tudo o que possa ajudar a enxugá-las, ou dar disso uma convincente esperança, e afanosamente procurado e, sem regatear, generosamente pago.
Depois, no que concerne ao futebol, dois factos decisivos contribuem para a generalização de práticas esotéricas: o seu constitutivo carácter aleatório e a gigantesca e compensadora indústria em que se tornou. São tão volumosos e irresistíveis os interesses que tão teratológica indústria comporta que, em seu redor, toda uma multidão de seguidores de Maquiavel se acotovela em rija disputa do osso.
Vem isto a propósito de notícias, nunca desmentidas, de que responsáveis do FCP teriam integrado no seu quadro de funcionários a denominada “bruxa de Matosinhos “, contemplada com principesco salário mensal, muito acima do tecto correntemente praticado.
Primeira e única dedução: se tanto se dispõem a pagar, com recurso ao mágico “saco azul”, é porque são considerados amplamente vantajosos os serviços por tão misteriosa personagem prestados. Melhor: porque como tal são projectados e percepcionados.
Com efeito, nada acontece neste nosso mundo tridimensional sem que seja antes imaginado e crido - absolutamente nada!
E, sobre estes modernos alquimistas de vão de escada, nada mais adequado e lapidar do que o sapientíssimo dito de nossos vizinhos: “brujas? no me lo creo, pero que las hay, las hay”.
Sim: ninguém admite ir ou ter ido à bruxa, mas barcos, a abarrotar de gente de todos os estratos sociais, atravessavam o Tejo diariamente fazendo filas que evocavam os tempos pós-guerra da senha do racionamento, fazendo filas à porta do “Joãozinho de Alcochete”. E o”bruxo de Fafe”nem no pico da pandemia registou qualquer quebra na procura.
Como afirmou Paracelso: “ não importa se é verdadeiro ou falso aquilo em que se crê, mas sim o facto de se acreditar”: a fé é a catapulta da criação!
Com o bruxedo é a mesma coisa: o efeito não está na materialidade do feitiço, mas na crença que se deposita na sua desejada eficácia. Mora no interior o comando que determina o mundo exterior.
Mas há mais: a ciência confirma que somos energia e estamos todos conectados a um campo energético descoberto por Max Planck, pelo que somos afectados por energias manipuladas e vibracionalmente degradadas. Mas, atenção, o alegado poder manipulatório atribuído aos bruxos só produz efeito se este for previamente objecto da crença quer do emissor quer do receptor.
Eis-nos perante uma inquietante verificação:
Se no Dragão parece prevalecer a crença nos poderes da bruxa, já em Alvalade, parece impor-se a incondicional crença nos inebriantes dotes do mago - um treinador melífluo, mas arrasadoramente eficaz.
Enquanto isso, na Luz mora uma águia depenada, a tiritar de frio e de medo.
E, claro, sabemo-lo todos: a fé cria, o medo mata!
José Antunes de Sousa
Doutor em Filosofia pela Universidade Católica Portuguesa