Espaço Universidade Quem “matou” a mudança? Suspeito 20 – Resistir à Eficácia (Parte 3) - artigo de João Oliveira
“Qual é a terceira resistência à eficácia, nas organizações?” – perguntava o Presidente Mark Angie, perante os olhares atentos do “quartel-general” do F.C. os Galácticos (Robert West Diretor Geral, Brad Wooden Treinador Principal e Anthony Smith Coordenador da Academia).
As duas últimas reuniões entre o Presidente Mark Angie e o Detetive Colombo tinham sido muito produtivas e, por isso, o Presidente pediu aos elementos chave do Clube para estarem presentes, naquela reunião. Todos se conheciam bem e o clima era de respeito mútuo e de muita curiosidade.
O Detetive Colombo respirou fundo, recordou uma série de situações, que tinha presenciado no Clube e perguntou – “alguma vez protelaram alguma coisa que desejavam fazer?”. Enquanto os olhares se cruzavam, o Presidente lembrou-se dos anos que antecederam o primeiro telefonema para a “brigada dos homicídios empresariais” (link) e disse – “durante muito tempo, sentia que o Clube não estava no rumo certo, queria mudar as coisas, mas em vez de fazer alguma coisa, fui adiando a situação”.
“Qual foi o resultado desse adiamento?” – perguntou o Detetive Colombo. Nesse momento, os olhares voltaram-se ligeiramente para o chão. O ambiente da sala parecia indiciar algum arrependimento e, para desanuviar o ar, o Detetive Colombo disse – “protelar algumas situações é normal” – e de repente o Diretor Geral Robert West respondeu – “estivemos a gerir o clube reativamente, fomos agindo ao sabor do vento, atiramos no escuro, tipo roleta russa, a ver se acertávamos no alvo.”
“Construindo a partir das nossas últimas conversas, o que poderá ter estado na base desse tipo de gestão?” – perguntou o Detetive Colombo. As últimas conversas entre o Presidente Angie e o Detetive Colombo já tinham sido partilhadas com todos os presentes e o Treinador Brad Wooden adiantou-se dizendo – “a falta de algum conhecimento e de competências concretas levou ao protelamento de situações importantes, por não nos sentirmos capazes e confiantes”.
Quando todos estavam a pensar num eventual comentário de repreensão, o Detetive Colombo surpreendeu dizendo – “protelar não é totalmente negativo”. “Como assim?” – perguntou o proativo Coordenador Anthony Smith. “O problema não está em protelar, mas nas razões pelas quais protelamos e o que fazemos durante esse tempo de adiamento” – devolveu o Detetive Colombo.
O Presidente Angie contorceu-se, rodando o tronco para a direita, elevando o ombro esquerdo e encolhendo o direito, parecia estar inquieto e perguntou – “Detetive pode concretizar?”. “Claro” – começou por responder o Detetive Colombo e continuou – “podemos distinguir dois tipos de protelamento” – e enquanto todos estavam curiosos por saber quais eram, como denunciava o avançar de ombros, de todos, o Detetive esclareceu – “o protelamento reativo e o protelamento estratégico”.
Fez silêncio. O Diretor Geral Robert West colocou o cotovelo esquerdo sobre a mesa, o queixo sobre o polegar esquerdo, olhou ligeiramente para cima, parecia estar a olhar para o infinito e perguntou – “o que os diferencia?”. “Há uma diferença entre protelar porque não estamos preparados, não temos o conhecimento e as competências, não nos sentimos confiantes em agir, nem fazemos nada, o protelamento reativo, e entre adiar a ação porque não estamos igualmente preparados, mas utilizamos esse tempo para nos prepararmos e treinarmos com conhecimentos e competências, o protelamento estratégico, em vez de agir reativamente” – respondeu Detetive Colombo.
“Parece que estou a perceber que que está a dizer” – começou o Treinador Brad Wooden e continuou – “quando comecei a Treinar, não tinha conhecimentos para treinar a parte física dos jogadores. No início, adiei a integração do treino físico, porque não fazia a mínima ideia do que fazer, o que o detetive chamou de protelamento reativo. Depois, embora ainda não fizesse treino físico com os jogadores, fui fazer formação para ganhar conhecimentos e estratégias para treinar a parte física dos jogadores. Nesse momento, embora não estivesse a treinar a parte física dos jogadores, estava a preparar-me para o fazer, estava a fazer o protelamento estratégico, certo Detetive?”.
“Obrigado por me ajudar a passar a imagem” – respondeu o Detetive Colombo e, aproveitando o exemplo, perguntou – “o que é que fez quando se sentiu preparado, quando passou a ter o conhecimento e as competências e quando se sentiu confiante para integrar a parte física no treino?”.
A expressão facial do Treinador Brad Wooden mudou, parecia estar a recordar uma experiência agradável e disse - “integrei o treino físico no treino, atrevi-me a tentar e passei a agir, treinando a parte física dos jogadores” – respondeu o Treinador Brad Wooden.
“Nesse momento” - começou por dizer o detetive Colombo e prosseguiu – “o Treinador Brad Wooden colocou em prática os conhecimentos e competências e passou a aplicar, a agir, a executar a concretizar estrategicamente. É que se pode designar de concretização ou execução estratégica, que é diferente de agir atirando no escuro, certo?”
“É curioso” – começou por dizer o Diretor Geral Robert West e continuou – “tive a mesma experiência na gestão financeira do clube. No início, apagava fogos. Depois de ganhar conhecimentos e competências, mudei completamente a forma de gestão e, nessa altura, eu sabia para onde queria ir, tinha conhecimentos, sentia-me competente e valorizei esses conhecimentos e estratégias ao aplicá-los na gestão do clube.”
Enquanto todos pareciam estar a refletir, o Presidente Angie disse – “agora compreendo a expressão saber e não fazer é não saber, porque se não aplicarmos o conhecimento, nem utilizarmos as competências adquiridas, então não valorizamos os conhecimentos nem as competências e executámos como se nada soubéssemos”.
Voltando a lembrar-se do que tinha acontecido consigo, no que ao treino físico diz respeito, o treinador Brad Wooden disse – “regressando ao exemplo da integração do treino físico, houve um momento em que treinei esta componente sem quaisquer conhecimentos ou competências” – todos estavam atentos ao que estava a dizer e prosseguiu – “e agi, em vez de adiar, mas com resultados catastróficos. Recordo uma situação em que, na véspera de um jogo importante, treinei resistência anaeróbica láctica e no dia seguinte perdemos um jogo em casa, com uma equipa que tínhamos vencido por 3-0, na primeira volta e a jogar fora. Hoje, fruto dos conhecimentos e competências que tenho, repetir esta situação é impensável, por conhecer os tempos de recuperação deste tipo de carga. Agora percebo a diferença entre executar reativamente, por exemplo treinar resistência anaeróbica láctica na véspera de um jogo, e executar estrategicamente treinando esta componente dois ou três dias antes do jogo. A propósito, vou pedir para alterar a frase que está pintada no balneário da equipa – practice makes perfect – para – strategic practice makes perfect. Isto é, não chega executar, necessitamos de executar estrategicamente, para sermos eficazes.”
Todos pareciam ter assimilado a diferença entre adiar reativamente e protelar estrategicamente e entre concretizar reativamente e concretizar estrategicamente, que ao protelarmos estrategicamente, aproveitamos esse tempo para ganhar conhecimentos e competências e as treinarmos, e que concretizar estrategicamente vai para além da ação, do esforço do trabalho intenso e isso mesmo foi percetível na intervenção do Coordenador Anthony Smith – “agora entendo perfeitamente a diferença entre working harder e working smarter. Em ambos os casos há esforço, ação, execução, concretização, mas a segunda acrescenta a ação estratégica, com conhecimento e competências, o que faz toda a diferença, como nos apercebemos pelo exemplo dado pelo Treinador Brad Wooden”.
“Parece que descobrimos mais um responsável por estar a “matar” a mudança no Clube resistindo à eficácia: o protelamento e a concretização reativos, mas como operacionalizar a concretização ou execução estratégica?” – averiguou o Coordenador Anthony Smith.
“Há uma ideia a desenvolver, antes de responder a essa questão, a da concretização estratégica ter duas componentes que são como unha e carne” – estava a dizer o Detetive Colombo, quando foi interrompido pelo Presidente Mark Angie – “quais?”.
“A componente estratégica e a componente tática da concretização ou execução estratégica” – começou por responder a Detetive Colombo e prosseguiu – “ a primeira tem a ver com o caminho, o longo-prazo, com as formas como se alcançam os objetivos, ou seja, com o plano estratégico e a componente tática refere-se ao passo-a-passo, ao curto-prazo, às ações para concretizar a estratégia”.
“Como concretizar, agir, executar estratégica e taticamente?” – perguntou o Diretor Geral Robert West.
“Este tipo de ação envolve alguns desafios, nomeadamente: como executar valores e estratégias coerentemente, sem depender do líder, para manter todos no rumo certo e que sistemas permitem executar o plano estratégico, enquanto perseguimos a visão e vivemos os valores partilhados” – estava a dizer o Detetive Colombo, quando o Treinador Brad Wooden o interrompe dizendo – “pode trocar isso por miúdos?”.
“Concretizar, agir e executar estratégica e taticamente exige criar e alinhar estruturas, leia-se sistemas e processos, que sejam coerentes e capacitem as pessoas a executar as prioridades principais, em vez de serem um obstáculo” – respondeu o Detetive Colombo.
“Está a dizer que os sistemas e processos de um Clube podem criar obstáculos às pessoas que executam as prioridades do Clube?” – perguntou o Presidente Angie.
“O que estamos a abordar é importantíssimo” - começou por dizer o Detetive Colombo – “porque 90% dos problemas organizacionais, seja de um Clube, de uma Empresa, de uma Escola, de um Hospital, (…), são gerados por estruturas (sistemas e processos) que são incoerentes com o que se apregoa e/ou criam obstáculos à concretização estratégica das pessoas”.
“Noventa por cento dos problemas organizacionais são estruturais” – pareciam estar todos a pensar, dado o silêncio e a expressão de cada um. Os presentes pareciam estar a incorporar a magnitude da responsabilidade de criar e alinhar as estruturas, para que a ação de todos, desde o corta-relva ao presidente, fosse coerente com a visão, valores e plano estratégico e simultaneamente libertasse e capacitasse as pessoas para executar as prioridades estratégicas.
“Estamos a falar concretamente de que estruturas?” – perguntou o Coordenador Anthony Smith.
“Quando nos referimos a estruturas que apoiam a execução estratégica, referimo-nos aos sistemas e processos que orientam a ação das pessoas” – começou por dizer o detetive Colombo e continuou dizendo – “deixem-me dar um exemplo: o sistema de comunicação. Poderemos dizer que a partilha de informação é importante, dentro do Clube, mas se ela só se fizer num sentido, descendente, da direção para baixo, então a execução da comunicação não só é incoerente, como cria obstáculos às pessoas fora da direção fazerem chegar as suas preocupações à direção. Contudo, se o sistema de comunicação se fizer nos dois sentidos, descendente e ascendente, então ela estará alinhada com o valor de partilhar a informação e consequentemente será coerente e libertará, capacitará as pessoas de expressarem as suas preocupações”.
“Estou a compreender” – começou por dizer o treinador Brad Wooden e continuou – “o mesmo acontece com o sistema de feedback. Se apregoarmos que o feedback é importante, mas depois o manipularmos em função dos resultados que nos são positivos, criamos problemas. Contudo, se construirmos um quadro de indicadores mobilizador, partilhado e alinhado com a visão, os valores e o plano estratégico, então o sistema de feedback será coerente e libertador”.
“Começou a ficar tudo claro, se definirmos a competência como importante, mas depois recrutarmos pessoal em função das cunhas, dos compadrios e dos lobbies, o sistema de recrutamento criará problemas estruturais à organização” - acrescentou o Diretor Geral Robert West.
“Parece que temos mais um problema estrutural, ao nível do sistema de recompensas” – começou por dizer o Presidente Angie e desenvolveu a ideia – “defendemos a valor equipa, mas depois recompensamos apenas o esforço e os desempenhos individuais e, ao fazê-lo, estamos a criar um problema estrutural, a comprometer a mudança e o sucesso do Clube. Porém, se recompensarmos as pessoas apenas quando todos alcançarem os resultados desejados, então o sistema de recompensa estará alinhado com o valor trabalho de equipa”.
“Estou a ver que captaram a ideia central da concretização ou execução estratégica: a de criar estruturas (sistemas e processos) que sejam coerentes com a visão, valores e plano estratégico e que libertem e capacitem as pessoas para executar as prioridades principais, porque são coerentes e reforçam a visão, os valores e o plano estratégico, em vez dessas estruturas e processos serem armadilhas que comprometem a eficácia” – rematou o Coordenador Anthony Smith.
“A concretização estratégica é realmente importante. Imaginem duas flores. A uma dizemos cresce, mas não a regamos e por isso não cresce. À outra, dizemos cresce e regámo-la com água e consequentemente ela cresce. Ou seja, a concretização ou execução estratégia é como regar a flor que queremos que cresça, é a que faz florescer o que desejamos que aconteça (a nossa visão, os nossos valores e o nosso plano estratégico). Não o fazer é envenenar o Clube, por executar incoerentemente e por criar problemas estruturais. Não o fazer é contribuir para aquela parte dos 90% dos problemas das organizações, é “matar” a mudança no Clube ou em qualquer outra organização.
Enquanto o Presidente Angie pensava na descoberta de mais um responsável por estar a “matar” a mudança no Clube, por resistir à eficácia, concretamente: protelar reativamente e concretizar ou executar reativamente, com sistemas e processos incoerentes e limitadores, começou a resumir algumas ideias chave: a concretização estratégica se apoia no planeamento estratégico (visão, valores e plano estratégico); que há 3 C’s que alavancam a eficácia, nomeadamente o Conhecimento (link), a Competência (link) e a Concretização.
Repentinamente, surgiu-lhe uma questão e colocou-a ao Detetive Colombo – “o que é que torna as organizações grandiosas?”
O adiantar da hora e a necessidade de processar e integrar a muita informação partilhada aconselharam o Detetive Colombo a dizer – “podemos protelar estrategicamente esta questão?”
Seguiu-se um sorriso e um ligeiro acenar com a cabeça de todos, como que a dizer simultaneamente sim e que esse protelamento fosse breve.
João Oliveira
Doutor em Psicologia, Mestre em Ciências do Desporto, Licenciado em Ensino da Educação Física, Treinador de Basquetebol, Treinador de Equipas, professor de Psicossociologia das Organizações e do Desporto no Instituto Universitário da Maia – ISMAI e formador em Desenvolver Equipas Eficazes, Motivação e Gestão do Pensamento em Contexto Profissional, na Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto.