O desporto: um tema fantasma face às realidades (artigo de Vítor Rosa, 66)

Espaço Universidade O desporto: um tema fantasma face às realidades (artigo de Vítor Rosa, 66)

ESPAÇO UNIVERSIDADE08.11.201901:10

«As questões desportivas são integradas, de pleno direito, nas ‘questões de sociedade’, com a erupção da violência, da dopagem, da corrupção; fenómenos negativos que não nada têm de específico. Isto é a melhor prova da ‘secularização’ do campo desportivo», refere Christian Pociello, no seu livro “Les cultures sportives” (1995, p. 10).

O campo desportivo apresenta uma autonomia relativa e é submetido às pressões de sociedades em crise e às influências de um mundo agitado. Se os padres não são os melhores colocados para fazer a sociologia da religião, o mesmo se passa para alguns atores associados ao desporto (eleitos, dirigentes, praticantes, pedagogos, etc.). Mas também não é fácil suscitar o interesse dos estudantes (universitários, por exemplo) para uma “cultura sábia” relacionada com o desporto e de uma certa jubilação em conhecer e compreender este objeto de estudo. A pouca participação dos estudantes de Educação Física e Desporto ou áreas relacionadas em eventos científicos (seminários, colóquios, congressos, etc.) é notória. Já colocámos várias hipóteses para este afastamento dos estudantes: o excesso de eventos realizados; os custos financeiros associados aos eventos; as dificuldades pessoais relativamente à ciência; a seriedade dos ensinos politécnico e universitário, com a utilização de uma linguagem não acessível. Outras há que poderiam ser alvitradas. Todavia, como diria Norbert Elias” (1986, p. 25), “o conhecimento do desporto é a chave do conhecimento da sociedade”.

O termo genérico “desporto” abrange um sistema complexo de práticas, de representações e de valores, que participam nos mitos atuais das sociedades contemporâneas. Nascido numa sociedade liberal e parlamentar do capitalismo industrial, o desporto moderno difundiu-se pela quase totalidade do globo terrestre. Foram os ingleses que o “inventaram” e empreenderam esforços para codificar a maior parte dos desportos modernos, explicando o impacto particularmente forte destas práticas nas zonas de influência colonial. Os franceses contribuíram para a sua universalização. Mas o movimento desportivo tem limites na expansão planetária. Existem evidentes irregularidades geográficas da sua implementação nos continentes, na intensidade da prática, na produção de performances e na distribuição de locais de organização de competições internacionais. A questão económica do desporto tornou-se um dado incontornável desse fenómeno mundial. Refugiando-se nos símbolos, sem explicar muito bem o seu significado e o seu futuro, a faculdade de ensinar, de instruir e de formar os povos por um desporto universal é fortemente colocada em questão.

Referências:

Elias, N., & Dunning, E. (1986 [1994]). Sport et civilisation. La violence maîtrisée. Paris: Fayard.

Pociello, C. (1995). Les cultures sportives. Paris: PUF.

Vítor Rosa

Sociólogo, Doutor em Educação Física e Desporto, Ramo Didática. Investigador Integrado do Centro de Estudos Interdisciplinares de Educação e Desenvolvimento (CeiED), da Universidade Lusófona de Lisboa