Está escolhido o fato que melhor serve a Portugal...
Roberto Martínez (IMAGO)
Foto: IMAGO

Está escolhido o fato que melhor serve a Portugal...

SELEÇÃO13.06.202409:09

A Seleção Nacional tem condições para não temer a fasquia alta do Euro 2024. Agressividade defensiva e letalidade atacante, precisam-se. Grandes provas resolvem-se nos pormenores...

As grandes competições desportivas internacionais são sempre um convite ao exagero, onde heróis e vilões trocam de posição à velocidade de uma corrida de 100 metros, ou de uma bola que bate na trave e entra, ou não. Este Campeonato da Europa de 2024, que amanhã começa a disputar-se com o Alemanha-Escócia, não vai ser exceção, e as ilusões e as desilusões vão suceder-se vertiginosamente, até que um só dos 24 concorrentes levante a Taça no dia 14 de julho, em Berlim. Tome-se como exemplo o Mundial do Catar: a Arábia Saudita, logo na primeira jornada da fase de grupos, derrotou a Argentina, provocando um escândalo à escala global. E depois, o que aconteceu? Os sauditas ficaram em último lugar no grupo, vencido pelos argentinos; que mais tarde viriam a sagrar-se campeões do Mundo. Ou seja, a 22 de novembro de 2022 quando perderam com a equipa da Arábia Saudita, Messi, Di María, Otamendi e companhia foram considerados a vergonha da pátria albiceleste; a 18 de dezembro, quando se sagraram campeões do Mundo, os argentinos tornaram-se heróis de calibre maradoniano no coração dos seus compatriotas. Em 26 dias passaram do Inferno ao Céu, com a naturalidade que só o futebol, indutor de paixões, consegue.

O PAPEL DE PORTUGAL

Portugal também já viveu emoções semelhantes. Por exemplo, quando, em 1986, no México, começou a campanha com uma vitória sobre a Inglaterra de Sir Bobby Robson, não faltaram elogios aos bravos lusitanos, que regressariam prematuramente e em desgraça a casa, depois de terem sido derrotados por Polónia e Marrocos. Nos antípodas desta situação esteve o Euro-2016: três empates e uma classificação in-extremis para os oitavos de final não prenunciavam a noite de glória vivida a 11 de julho no Stade de France...

Enquanto a equipa de Roberto Martínez se vai instalando em Marienfeld, onde o Portugal de Scolari foi feliz em 2006, ninguém sabe muito bem o que esperar, sendo certas algumas coisas:

a) Portugal possui um excelente plantel, composto por jogadores que, como dizia José Mourinho, e bem, podem formar duas equipas muito fortes;

b) Existe uma empatia com o selecionador, que pode servir para criar o espírito de grupo indispensável a qualquer grande conquista;

c) Ao contrário do que sucedeu no Catar, onde as feridas deixadas pela guerra em Manchester com Ten Hag deixaram marcas em Cristiano Ronaldo, o capitão da Seleção parece motivado e, sobretudo, feliz, o que pode vir a revelar-se decisivo;

d) Finalmente, os jogos de preparação não foram tempo perdido e serviram, sobretudo, para identificar lacunas e carências. Portugal chega à Alemanha mais forte do que estava antes de jogar com a Finlândia.

Mas como, e com quem, vai Martínez para a selva, recuperando uma expressão cara a Carlos Queiroz? Pelo que foi possível retirar dos três jogos com Finlândia, Croácia e Irlanda, o melhor equilíbrio entre defesa e ataque é conseguido com um 3x4x1x2 de grande plasticidade, onde o lateral direito funciona como ala e o lateral esquerdo veste-se de médio interior; onde existe um lugar específico para fazer a ligação entre o meio-campo e o ataque; e onde se torna desnecessária a presença de um cabeça-de-área clássico, tirando-se maiores benefícios da utilização de um médio que seja capaz de pressionar alto, lançar longo e ainda, se necessário, fazer uma linha de quatro, juntando-se aos três centrais de raiz.

QUAIS OS INTÉRPRETES?

Se parece claro como Roberto Martínez vai iniciar este Europeu, mais difícil será saber-se com quem. O guarda-redes titular vai ser Diogo Costa, que está em boa forma. A partir daqui existem mais dúvidas que certezas. Pepe vai ou não ser titular num trio de centrais que terá Rúben Dias e muito provavelmente o esquerdino Gonçalo Inácio? Ou para o lugar que pode ser do veterano jogador, António Silva e Danilo ainda terão uma palavra a dizer?

Nas alas, a abundância é grande e a qualidade não é menor. Na direita, Diogo Dalot parece levar vantagem sobre Nélson Semedo, que se apresenta em excelente condição; e na esquerda, apesar da maior profundidade dada por Nuno Mendes, João Cancelo oferece uma maior elasticidade à equipa, sendo ele o fulcro de várias nuances táticas, nomeadamente quando pisa terrenos mais centrais e vem desequilibrar o jogo a favor de Portugal nessa zona do terreno.

No meio campo, apesar da ótima prestação de João Neves, deve ser Bruno Fernandes a jogar ao lado de Rúben Neves que num contexto de três centrais parece mais útil que João Palhinha, até pela agressividade que confere à equipa, diferente da entrega do trinco do Fulham, mais talhado para atuar à frente de dois defesas. E Bernardo Silva? Embora tenha mostrado algum défice físico contra a Croácia, descansou com a Irlanda e deverá estar no máximo das suas capacidades na próxima terça-feira, na partida de estreia com a Chéquia, para executar o papel que contra os boys in green foi desempenhado (e bem) primeiro por João Félix e depois por Bruno Fernandes.

Last but not least, o ataque. Pelo que se viu, regressamos, felizmente, à fórmula Cristiano mais dez, embora o capitão da Seleção deva ser gerido com sabedoria para ter pilhas para toda a competição. CR7 mostrou-se feliz (e já o revelava antes do golaço que assinou), e essa é uma novidade relativamente a outros momentos. Antes assim. Mas quem jogará com ele na frente, Rafael Leão ou Diogo Jota? São jogadores que, embora partindo da mesma posição, apresentam soluções diferentes. O esquerdino do Milan é um rompedor nato, embora seja, do ponto de vista tático, bastante anárquico. Já o avançado do Liverpool tem uma cultura e uma disciplina táticas mais apuradas, entrega-se com maior afinco ao momento de recuperar a bola ainda à saída da grande área do adversário, e com a sua inclusão, em simultâneo com Rúben Neves, Portugal torna-se numa equipa que defende muito melhor e cria condições para aproveitar as perdas de bola do adversário. E esse é o ponto que falta abordar. A turma das Quinas tem gente para circular bem a bola, mas circular a bola e ter posse não pode ser um objetivo em si mesmo; e já se percebeu que a melhor forma de Portugal chegar ao golo não é através de ataque continuado, mas sim de recuperações altas e transições rápidas. É com esse objetivo que a equipa deve ser montada.