Uma mão cheia de nada
A centralização mais parece ter nascido de uma tentativa de poder e de atribuir ‘tachos’
Ouvi recentemente uma entrevista de um diretor executivo da Liga de Clubes sobre a centralização dos direitos televisivos.
Deu para perceber que a centralização está num plano de uma mão cheia de nada e de outra sem coisa alguma. Continuam ausentes respostas a perguntas básicas como se algum clube poderá perder dinheiro, quem são os stakeholders interessados na compra ou intermediação dos direitos televisivos da 1.ª (e talvez da 2.ª) liga portuguesa e que valores de avaliação estão em cima da mesa. A visão que continua a ser vendida pelos porta-vozes da Liga mantém-se imutável.
Manifestam-se cheios de fé nos números que passam pelas suas secretárias com base na credibilidade de estudos realizados de origem empírica e académica. Quanto aos resultados académicos, já há algum tempo que se fala num valor global de € 220 m pelos direitos a centralizar.
Mas há um senão: é que a vertente académica faz-se com recurso, maioritariamente, a benchmarking que consiste, leiga e genericamente, no processo de análise das melhores e com mais sucesso práticas de gestão numa determinada indústria com vista à obtenção de desempenhos e resultados superiores seguindo uma linha de observação e aprendizagem sobre o desenvolvimento estratégico e operacional em relação ao cliente e respetiva satisfação.
Esperamos que não seja sustentado por comparação às 5 principais ligas europeias (Premier League, Bundesliga, Ligue 1, La Liga e Serie A). Até se podem basear na parte mais operacional dessas ligas ou nas práticas que estas implementaram para melhorar a experiência de assistência dos jogos.
Mas deve existir um cuidado na linguagem utilizada em Portugal para que não se pense a centralização vai dar a ganhar balúrdios aos seus participantes. Exceção feita aos três grandes, não me parece existir dúvidas que todos os outros 15 clubes (da I Liga) ficarão a ganhar.
Resta saber se será num estilo Robin Hood (roubar aos mais ricos para dar aos mais pobres) ou porque há algures neste mundo investidores dispostos a investir muito dinheiro (para poderem ganhar o juro que irão distribuir aos seus acionistas) e que vai dar para todos viverem à grande e à francesa (ou à inglesa, germânica, espanhola ou italiana).
Há que ser cauteloso num mercado altamente volátil e extremamente sensível. E, já agora, se me permitirem a análise, a centralização mais parece ter nascido de uma tentativa de poder e de atribuir futuros tachos também, o que é típico do tuga.
A liga centralização é uma sociedade comercial unipessoal que foi criada pela sua sócia única (Liga de Clubes) em Novembro de 2021 à revelia da Federação Portuguesa de Futebol.
A vivência nos últimos anos entre as duas não foi a melhor. Basta ler a última entrevista de Fernando Gomes sobre este tópico.
Em Junho de 2026 tem que ser apresentada o modelo de comercialização e a chave de distribuição à Autoridade da Concorrência para, em Julho de 2028, a centralização estar concretizada para entrar em vigor. Estão, portanto, aí à porta. Se estivesse na Liga ou numa SAD, preocupava-me mais em fazer lobby junto do Primeiro-ministro, do ministro dos Assuntos Parlamentares e do secretário de Estado do Desporto para alterar a lei em vigor que força estes prazos. Isto porque convém ter a certeza que os dirigentes desportivos nacionais têm noção do índice cultural, populacional e de assistência fundamentais para a análise do tema. Qual a melhor forma de centralizar num país em que 3 clubes consomem mais de 90% dos interessados e que os seguintes 10 classificados nas médias de assistência nos estádios em 2023-24 tiveram os seguintes resultados: V. Guimarães (16.116), SC Braga (15.490), Marítimo (Liga 2 - 8.509), Boavista (6.520), Gil Vicente (4.528), Paços Ferreira ( Liga 2 -4.430), Chaves (3.896), Famalicão (3.800), Casa Pia (3.422) e Vizela (3.310).
Nos Países Baixos, o Ajax teve uma média de 53.774 (inferior à do Benfica e superior à do FC Porto) e o NEC Nijmegen (6.º classificado) teve 12.475 por jogo (10.ª em assistências).
Na Bélgica, o Anderlecht (2.º classificado) teve uma média de 21.136 no seu Lotto Park e o KV Kortrijk (15.º lugar) teve 6.588. Comparem para perceberem que não se acena com dinheiro na resolução de obstáculos culturais e demográficos!