Um Red Bull sem rodas
O conteúdo desta entrevista [a Rui Costa], que se tornou cansativa ao fim de algum tempo, revela-nos primeiro que tudo um presidente que não se dá bem com as palavras
A entrevista de Rui Costa à BTV é um exercício de comunicação interessante. A entrevista é longa, o que dá desde logo a entender que muito foi dito. Envolve muitos jornalistas de diferentes órgãos de comunicação social e sensibilidade face ao Benfica, o que desde logo comunica uma ideia de cultura democrática e coragem perante os críticos. Permitiu confrontar o presidente com muitas perguntas, o que dá a entender que nada ficaria por dizer. Acontece em casa, no Seixal, num local a fazer lembrar o relvado que Rui Costa pisou em tempos, o mesmo que lhe garantiu legado suficiente para presidir ao clube. Trata-se de um exercício de forma bem conseguido, que só peca no essencial: a substância do que foi apresentado aos benfiquistas.
O conteúdo desta entrevista, que se tornou cansativa ao fim de algum tempo, revela-nos primeiro que tudo um presidente que não se dá bem com as palavras. Admito que a próxima observação não vá agradar a todos, mas o espaço que me tem cabido neste jornal representa-me a mim, antes de tudo. E por isso tenho de ser sincero: depois de meses à espera deste momento ou de alguma reação mais contundente e esclarecedora face aos muitos temas da vida do clube que aguardam por uma solução (já nem digo por uma resposta com maior visão estratégica), esperava um presidente mais articulado.
Não espero que seja palavroso, mas tendo a inferir desta dificuldade de Rui Costa em fornecer respostas claras e verbalmente bem conseguidas uma das seguintes hipóteses: estava nervoso, não contava com algumas das questões, preparou mal a entrevista, não tem as respostas que o momento pedia, ou uma combinação de todas.
Sei que há quem qualifique o resultado da entrevista como autenticidade, e compreenderia isso em muitos outros contextos, mas neste caso acho que seria conferir uma espécie de imunidade a alguém que, pela sinceridade alegadamente desarmante das palavras, ou pela forma complicada como junta as palavras em frases, não pode ser criticado. Não consigo aderir a este tipo de pensamento quando tenho à minha frente alguém que ocupa um dos cargos mais importantes na vida do país, pelo menos para mim. O momento do clube pedia uma entrevista de um presidente mais clara e esteticamente superior a esta. Não precisava de ter durado tanto tempo e não precisava de ter tido tantos jornalistas.
Espanta-me aliás esta aparente diminuição do rigor editorial da BTV, como se não fosse possível um jornalista da BTV fazer exatamente as mesmas perguntas. Será que não é, ou será, simplesmente, que se escolheu a forma em detrimento do conteúdo, dessa forma colocando em causa uma redação da casa?
Nem tudo é merecedor de críticas na entrevista. O presidente do Benfica começou com as más notícias, neste caso confirmando a continuidade de Roger Schmidt. É uma aposta corajosa de Rui Costa que, nas palavras do próprio, teve o condão de retirar alguma da responsabilidade do treinador, sem no entanto encontrar de forma objetiva outros responsáveis. «Este ano não correu tão bem», explica.
Só por acaso, vamos percebendo ao longo de cada longa resposta sobre o desastre dos últimos 12 meses, que só por mero acaso não ganhámos tudo esta época. Só faltou dizer que nem foi assim tão mau, como o próprio Schmidt fez há poucas semanas. Ganhámos tudo o que estava em disputa, excepto a Taça de Portugal, a Taça da Liga, a Liga portuguesa e a Liga Europa. Rui Costa termina a explicar que não podemos começar todos os anos projetos do zero, aqui num momento de convicção. Se não estamos a começar do zero, seria interessante perceber qual é o ponto de partida.
Se alguém não acreditar que estamos em boas mãos, explica-nos que Roger Schmidt até recusou propostas para ficar. Mais tarde enveredou pelo mesmo caminho para esclarecer que o Benfica não é apenas bom a perder jogadores jovens. Também é extremamente competente a perder membros do scouting. Somos um clube muito desejado, apesar de pouco vencermos e não ganharmos uma Taça de Portugal há quase 10 anos. Percebo que o objetivo com esta espécie de gabarolice seja provocar um sentimento de gratidão, mas a mim só me sai angústia.
Embalado, o presidente alternou entre a fuga para a frente, a confusão e uma espécie de transparência radical em que as frases pareciam sinalizar uma mensagem, mas eu ouvia o contrário do que era defendido. Um dos momentos altos foi quando abordou a ausência de laterais de raiz, explicando que, pronto, é uma daquelas coisas que acontecem numa estrutura previdente e altamente competente.
Imagino que aconteça muito a projetos desportivos que, como o presidente argumenta, não têm de ser construídos do zero. Está tudo bem e estamos em boas mãos. Fica tudo como está, no fundo. Só é pena eu não me lembrar de um único clube de futebol - no mundo dos clubes que pretendem ser levados a sério - que tenha arriscado jogar uma época inteira sem laterais de raiz. Somos realmente um clube singular. Só nos faltaram os laterais de raiz!
Imaginem o diretor da equipa da Red Bull vir a público explicar que, sim senhor, compreende as críticas, mas que a única coisa que faltou a Max Verstappen nessa época foi o carro ter rodas. Qual acham que seria a reação? Agora imaginem que, perante a insistência dos jornalistas com este e outros temas, o diretor da Red Bull partia para outra linha de argumentação e explicava que era consumidor da bebida desde os 8 anos e que não tinha caído de pára-quedas naquela equipa. Acham que sobrevivia a mais um dia no cargo? Acham que os adeptos dessa equipa se deixavam infantilizar com este tipo de resposta?
Insisto que as respostas de Rui Costa foram excessivamente longas, evasivas, confusas, e que deixaram muita coisa por esclarecer. Foi uma boa fotografia para o instagram, mas quando abrimos o plano vemos a verdade à volta do fotografado. Apesar da forma ter prevalecido sobre o conteúdo, este tema merece mais alguma reflexão. Conto voltar a isto na próxima semana.