Um novo ano com mais Benfica
É neste ciclo de visível entusiasmo e evolução desportiva que se deve aproveitar o embalo e abraçar as restantes mudanças
2023 bate à porta e, mesmo que a estatística nos diga que as resoluções definidas em dezembro não costumam durar para lá de fevereiro, sinto-me otimista e penso não estar sozinho nesse sentimento. É certo que há jogos muito importantes pela frente que terão de confirmar o ânimo dos últimos meses e o regresso imaculado da equipa no pós-Mundial, mas a vida do Benfica não se deve esgotar no que acontece nos jogos da equipa principal. Defendo aliás que é precisamente neste ciclo de visível entusiasmo e evolução desportiva que se deve aproveitar o embalo e abraçar as restantes mudanças. Aqui ficam algumas sugestões que dão pano para muitas mangas, mas que tento explicar aqui com os caracteres que tenho à mão.
CONFIRMAR A MUDANÇADE PARADIGMA
1O planeamento desportivo e financeiro que definiu os últimos meses trouxe já resultados suficientemente demarcados de épocas anteriores para podermos afirmar que há coisas boas a repetir. É um facto que não houve uma mudança radical de protagonistas, mas às vezes basta uma pessoa competente, trabalhadora e ambiciosa para mudar o paradigma. Não querendo de maneira nenhuma ignorar o mérito que outros terão tido no planeamento e na execução do plano para a época, parece-me que o trabalho realizado resultou em grande medida do regresso de Lourenço Coelho. Gostava muito que o próximo ano civil confirmasse aquilo que vimos desde que esta época começou a ser preparada. Tirando um ou outro momento de folclore mais escusado, o trabalho foi feito de forma discreta para municiar o plantel principal de todas as soluções necessárias para ganhar muito primeiro e falar ou vender depois. Tendo a prezar muito o silêncio de quem está mais ocupado a trabalhar do que a colher publicamente os louros do trabalho. Presidente, cuide bem de funcionários assim.
ALARGAR AINDA MAIS AS VISTAS DA PROSPEÇÃO
2O Benfica pode ser um clube centenário, popular e de uma cidade num país pequeno, e ser cada vez mais do mundo inteiro. Isso consegue-se de várias formas, e uma das principais estratégias para acelerar esse crescimento é o GPS da prospeção. Talvez hoje, mais do que em outros momentos, o clube tenha condições para aumentar a sua implantação global, alargando geograficamente a prospeção dos talentos que já estão prontos - Schjelderup é um interessante exemplo - e cimentando a sua marca nesses países, com projetos de formação liderados pelo Benfica ou até, como sugerido por Domingos Soares de Oliveira, com a aquisição de um clube que permita expandir o alcance do Benfica de uma forma diferente. Sei que isso assusta alguns adeptos, mas também não me parece que possamos esperar resultados diferentes fazendo aquilo que sempre fizemos.
COMUNICAR NA DIREÇÃO CERTA
3Depois de anos de uma inflamada newsletter diária, estes últimos meses passados a falar mais no relvado foram um bálsamo. Em vez da já lendária News Benfica, o clube cultiva hoje a máxima no news is good news. Eu sei que a newsletter continua a sair, mas deixou de ser assunto, e ainda bem. Agora dedica-se a temas bem mais dignos do que as tentativas quase sempre pouco conseguidas de defender prestações desportivas menos conseguidas. Estou muito grato a Roger Schmidt, que nunca ouviu falar desta newsletter mas é o principal responsável pela quebra drástica no número de leitores, assim como estou grato a todos os funcionários do clube que hoje parecem perceber que a comunicação do clube não precisa de ser apenas um instrumento de arremesso. É muito mais interessante quando esta comunicação se vira para dentro e se dedica mais à relação do clube com os adeptos e menos à relação do clube com os seus adversários. Essa deve ser ganha e resolvida preferencialmente no relvado.
DAR MAIS MUNDOSÀ BTV E AO BENFICA PLAY
4Percebo que a BTV e o Benfica Play sejam marcas e projetos com públicos diferentes, mas parece-me que ambas poderiam beneficiar de sangue novo em termos de conteúdo e ideias. Se a BTV ganharia em ter novos rostos e novas vozes na sua antena que permitissem rejuvenescer gradualmente o perfil do espectador sem alienar as bases, já o projeto Benfica Play, que se vai posicionando como âncora da comunicação digital, pode continuar a crescer na gama de conteúdos disponibilizados, na distribuição desses conteúdos, no aproveitamento dos principais ativos do clube - os atletas e a história do clube - e, penso, introduzindo algumas dessas mudanças através de novas caras que possam ir ao encontro do consumidor de conteúdo digital, nacional e internacional. Não é só dentro de campo que o Benfica precisa de um Enzo Fernández, de um Neres ou de um António Silva. A presença digital que o Benfica já tem, e a que pode vir a alcançar, pede cada vez mais inventividade nos conteúdos, nas parcerias, e, creio, pede novos protagonistas ao microfone (ou então os apresentadores que já conhecemos, mas com uma nova roupagem). A marca Benfica tem vindo a evoluir bastante na direção certa, mas pode chegar a audiências ainda maiores e reforçar a fidelização dos que já a seguem. Será interessante ver como se dá essa evolução em 2023.
REVISITAR A MARCA BENFICA
5Quem leu até aqui terá agora oportunidade de me apedrejar, mas tenho para mim que os códigos visuais do Benfica estão ultrapassados e a precisar de um novo olhar. Ao longo dos últimos anos o clube tem feito uma série de atualizações que nunca chegam a ser uma mudança profunda do emblema, e se é verdade que muito foi feito para adaptar a marca à modernidade há muito ainda por fazer, e por isso eu veria com entusiasmo que um processo desses tivesse finalmente início em 2023, um ano que se espera de afirmação da mudança. É verdade que a tentação neste momento é não fazer nada que possa gerar comichão quando tudo está melhor desportivamente, mas gostava de ver Rui Costa ir contra essa sensação de conforto. De qualquer das formas, nenhuma intervenção deste tipo vai acontecer sem que os adeptos se pronunciem sobre isso, pelo que o mais provável é a coisa acabar chumbada em assembleia geral. Ainda assim, acho que vale a pena tentar.
TERMINARO PROCESSODE REVISÃO ESTATUTÁRIA
6É um passo fundamental na modernização do clube e no aprofundar da sua natureza democrática. Não é uma teimosia de meia dúzia de adeptos e não deve ser eternamente adiada (o mesmo sobre a auditoria que continua demorada). Parece-me um bom momento para promover uma proposta de novos estatutos que sabemos inclusivamente ser do agrado da atual direção. Todos os benfiquistas ganharão com essa mudança.
MELHORAR A EXPERIÊNCIA DE ESTÁDIO
7Nada me move contra painéis LED ou ecrãs gigantes, e concordo que podem dar um outro aparato e maior qualidade à experiência do adepto no estádio, mas o que eu gostava mesmo era que o adepto conseguisse aceder à internet dentro do estádio, que tivesse melhores opções de alimentação, que essas opções de alimentação pudessem ser entregues nos lugares, e que o clube possa ser precursor no uso de tecnologia para visionamento dos jogos com acesso em tempo real aos indicadores de jogo. Ah, só mais coisa: gostava mesmo muito que deixássemos de ser tratados como crianças e pudéssemos voltar a beber uma cerveja na bancada sem que daí venha mal ao mundo. Não me parece que seja assim tanto.
DEFINIR DE FORMA CLARA O LUGAR DO BENFICA NA CENTRALIZAÇÃO DOS DIREITOS TELEVISIVOS
8Não é tema em que apeteça muito pensar agora, mas o impacto desta negociação terá efeitos profundos no futebol português, e não necessariamente aqueles prometidos pelo otimismo da proposta original da Liga. Diria que todos os benfiquistas simpatizam com a ideia de um produto desportivo de melhor qualidade em Portugal, mas é difícil perceber como esse produto será uma realidade se o clube com mais adeptos e receitas no quadro competitivo nacional se vê enfraquecido artificialmente, e se tantas outras coisas estão por realizar antes dessa redistribuição de receitas. O futebol que resultará dessa reorganização económica não é necessariamente melhor nem mais forte na sua relação com os produtos de outros países. Falta muito para que isso seja evidente.
INTEGRAR OUTRAS VISÕES NO CLUBE
9Sei que o Benfica vem de ciclos eleitorais tumultuosos que serviram mais para dividir do que para unir, e sei que ainda existe desconfiança, mas parece-me que a trajetória do clube aponta hoje para uma maior convergência entre diferentes correntes de pensamento. Seria interessante, por exemplo, ver pessoas do movimento Servir o Benfica, que apresentou um candidato na última eleição, participar de forma efetiva nos destinos do clube. Pode ser através da integração de pessoas nas equipas de trabalho, pode ser através de um novo órgão consultivo. Seja qual for o modelo, acho que seria bom para o Benfica.