Um Benfica mau para a economia
Todos queremos estabilidade e sabemos que esta tem de chegar o mais depressa possível para estancar ou combater a queda torrencial de más notícias sobre as nossas cabeças
S ÃO muitos anos a fazer isto. Nem mesmo o ritmo frenético das redes sociais, em que tudo se sabe antes do tempo, me privou deste ritual. Todas as manhãs acordo e consulto as capas dos jornais na esperança de receber uma boa notícia relacionada com o meu clube. Não sei há quanto tempo existe o site ou a aplicação móvel do Sapo dedicada às capas dos jornais, mas é uma daquelas ideias simples e brilhantes que teimam em resistir ao teste do tempo. Foi assim que descobri muitas novas contratações, foi assim que comecei o day after de muitas vitórias e de algumas derrotas, e também foi assim que acompanhei muitas daquelas novelas de verão que adoramos odiar. Quem não tem saudades de um bom folhetim Cavani? Não mintam.
Problema: desde há algum tempo o meu hábito matinal de consulta das capas tornou-se uma prática masoquista. As contratações e os folhetins entusiasmantes deram lugar, em especial nestes últimos anos, a uma sucessão interminável de notícias danosas para o meu clube. Acredito que alguns ou muitos dos leitores conhecem esta sensação. Ao invés de abrir o Sapo Jornais para saber que motivos terei eu para sorrir, ou por que anúncio oficial do meu clube devo ansiar, sou presenteado quase sempre com uma escuta, um recado de um empresário, ou qualquer outra coisa. Muitas capas são uma lista interminável de candidatos a folhetim dessa semana. Em vez de scouting de futebolistas, há uma espécie de scouting de casos, quase sempre lesivos da reputação do Benfica.
Nada disto é propriamente novo, mas, digo eu, talvez se tenha agravado. A economia de conteúdos sempre beneficiou, e muito, da dimensão do Benfica, mas, em falta de melhor futebol ou de boas notícias, os agentes dessa economia têm partido em busca de outras formas de rentabilização da marca Benfica. E aqui começa a encruzilhada em que hoje nos situamos.
Por um lado, existem evidências de que as crises do Benfica são um excelente negócio para muita gente. Sabem qual é a pior coisa que pode acontecer hoje a alguns órgãos de comunicação social? Eu não tenho grandes dúvidas. São três ou mais vitórias consecutivas do Benfica. A nossa estabilidade será sempre um problema enorme para quem vive da nossa desgraça. Eu tendo a não ver uma teoria de conspiração nisto. Mais do que uma operação congeminada por outros clubes, parece-me simplesmente que se trata de um modelo de negócio. Costuma dizer-se que as vitórias do Benfica são boas para a economia, mas essa afirmação é discutível quando falamos dos órgãos de comunicação social. Nesses casos parece-me que nada é melhor para a economia do que um Benfica a perder.
«Não sei se é uma vitória na Taça da Liga que nos vai dar a confiança e o ânimo de que precisamos, mas espero sinceramente que seja esse o momento de viragem»
Por outro lado, existem evidências amplas de que os temas trazidos a público pela operação Cartão Vermelho - e os subprodutos daí decorrentes - não poderão ser ignorados eternamente; primeiro, porque aludem a demasiadas coisas estruturalmente erradas na conduta de funcionários do clube e prestadores de serviços ao longo dos anos; depois porque, a avaliar pelo ritmo a que vão surgindo e o período ao longo do qual as escutas foram realizadas, parece-me que ainda vamos ter alguns anos disto e não é problema que se resolva emigrando, porque o Benfica está em toda a parte e a aplicação Sapo Jornais também. Esta arma é tanto mais potente e danosa quanto mais exposto estiver o Benfica ao teor das ditas escutas, e infelizmente continuamos a reagir ao que é dito e não a liderar neste tema. Admitindo que pouco possa ser feito do ponto de vista legal para impedir esta divulgação das escutas a velocidade conta-gotas, só há mesmo um antídoto eficaz, e é do agrado de todos os benfiquistas, incluindo os que, como eu, têm críticas a apontar a esta direção: fazer tudo para conseguir as tais vitórias consecutivas que darão algum oxigénio à equipa e serão, pelo menos durante uns tempos, a instabilidade dos outros e não a nossa.
Ora é precisamente aqui que o problema se agrava. Todos queremos estabilidade e sabemos que esta tem de chegar o mais depressa possível para estancar ou combater a queda torrencial de más notícias sobre as nossas cabeças, mas a estratégia desportiva do Benfica para o que resta desta época parece ser, por enquanto, a de nos fazer sofrer com a pobreza do futebol praticado, na esperança de que alguma coisa aconteça - não sabemos exatamente o quê ou quando - capaz de transformar o futebol praticado pela equipa do Benfica numa experiência, como dizê-lo, minimamente agradável. Se tivermos sorte talvez a experiência nos faça ansiar pelo jogo seguinte, e pelo seguinte, e pelo seguinte. É que nem umas contratações sonantes ou umas vendas aparecem para me devolver alguma ilusão.
Não sei se é uma vitória na Taça da Liga que nos vai dar a confiança e o ânimo de que precisamos, mas espero sinceramente que seja esse o momento de viragem para esta maldita época. E, quem sabe, se depois disso vierem as tais vitórias consecutivas, talvez outros sejam mesmo obrigados a começar pelas boas notícias. Talvez seja mau para a economia nos dias que correm, mas tornaria o meu hábito matinal muito mais agradável.