Todos merecemos uma vigésima oportunidade?
A competência na arbitragem é fácil de identificar. Uso regra relativamente simples. Se não me lembrar de quem apitou um jogo, é porque muito provavelmente o árbitro esteve bem
S EI que já passou algum tempo e talvez devesse estar de olhos postos no próximo jogo, mas já lá iremos daqui a umas horas quando chegarmos à Luz. Antes, dou por mim com uma vontade enorme de voltar a celebrar a noite de 6ª feira. Qualquer vitória do Benfica conseguida com um golo no 12º minuto dos descontos será emocionante, fundamentalmente pela felicidade que dá ao 12º jogador. Mas desta vez não foi só isso. Poucos dias antes, frente ao Paços de Ferreira, o Benfica também esteve a perder, mas quase não houve tempo para questionar o valor da equipa, para viver um pouco desse drama que ajuda a tornar certas vitórias ainda mais bonitas. Chamem-me masoquista, mas sinto que as melhores equipas do Benfica têm que sofrer aqui e ali, e saber desbloquear contextos de adversidade para se tornarem ainda mais fortes. Não deu para sentir muito disso frente ao Paços, porque a equipa tratou de responder e virar o resultado ainda durante a primeira parte. É verdade que teve um ou outro calafrio na segunda parte, mas o jogo nunca pareceu perdido ou empatado.
Contra o Vizela foi diferente. O jogo teve ingredientes dignos do melhor drama: primeiro, porque a coisa chegou a parecer efetivamente perdida; depois, porque o aparente cansaço e alguma desinspiração que se apoderaram da equipa, em especial na primeira parte, foram sinais de alarme que ainda não tinham sido observados de forma tão pronunciada esta época (e Roger Schmidt não os ingorou); no momento mais complicado, o lance de génio do Neres que empatou o jogo e desempatou toda a equipa; e finalmente, no crepúsculo do jogo, a vitória. Chamo-lhe crepúsculo em sentido figurado, porque este jogo dura desde 6ª feira, por via de alguns detalhes que têm sido debatidos com particular entusiasmo por pessoas a quem os méritos do Benfica interessam muito pouco, tal é a cegueira com que se reduz tudo à proverbial tese do relvado inclinado.
Na sexta-feira no Estádio da Luz, com o Vizela, «houve um daqueles momentos à Benfica, em que a mística é transbordante»
Pois bem, a enorme felicidade sentida pelos benfiquistas na 6ª feira decorre precisamente do sentimento coletivo de ter sido feita justiça, e de a exibição, a menos conseguida da época, ter sido ainda assim suficiente para justificar a vitória. Há provas desta convicção. Na 6ª feira houve um daqueles momentos à Benfica, em que a mística é transbordante. O meio em que publico estas palavras impossibilita a partilha, mas circula nas redes sociais um vídeo notável de 2 minutos e pouco, ao qual eu cheguei através do grande benfiquista e jornalista João Martins. É como se de uma curta-metragem se tratasse, tal é a qualidade do trabalho de realização da BTV, que conseguiu mostrar aquilo que a vitória significava para toda a gente no estádio. Aquela sucessão de planos é o Benifca inteiro, tal e qual como deve ser: a comunhão furiosa entre titulares e suplentes, o abraço literal e metafórico entre equipa técnica e adeptos, um presidente feliz como um benfiquista, e uma imagem, uma em especial, em que a multidão no relvado parece feita de toda esta gente. É especial porque não foi preciso procurar nada nas imagens e não havia nada para fabricar ali: para onde quer que as câmaras apontassem, viam o Benfica a transbordar de felicidade e unido como há muito não o via.
Que alguns queiram resumir o sucedido a um caso de arbitragem não me espanta. Por um lado, nem todos têm a sorte de ser benfiquistas. Por outro, foi impossível ignorar o protagonismo assumido pelo árbitro da partida. Fábio Veríssimo fez mais uma daquelas arbitragens em relação às quais é comum usar a expressão “para esquecer”, quando na verdade quase todas as arbitragens de Fábio Veríssimo precisam isso sim de ser relembradas. Eu não sou um apologista das teorias de conspiração que fazem deste árbitro um inimigo não proclamado do Benfica, e também não acho que Fábio Veríssimo tenha sido condicionado ou incentivado por adversários do Benfica a apitar contra nós. Mas sou um apologista da competência na arbitragem, e Fábio Veríssimo não tem apresentado essa qualidade quando apita. A competência na arbitragem é fácil de identificar. Eu uso uma regra relativamente simples. Se não me lembrar de quem apitou um jogo, é porque muito provavelmente o árbitro esteve bem. Por vezes, em circunstâncias raras, lembro-me do árbitro porque esteve muito bem. Mas é mesmo muito raro.
É fácil fazer deste texto um manifesto de ódio aos árbitros, mas não é disso que se trata. Eu gosto é muito de futebol, e não me parece que os árbitros em Portugal contribuam sempre da melhor forma para essa festa. Os episódios repetem-se com uma regularidade assustadora, merecendo especial destaque estes últimos anos em que o advento do VAR nos assegurava estarmos mais perto do que nunca do Santo Graal da verdade desportiva. A verdade é que duplas como Fábio Veríssimo e António Nobre parecem indicar o contrário. Não sei o que disseram um ao outro durante os 102 minutos do Benfica - Vizela, porque infelizmente ninguém disponibiliza essas comunicações, mas quase apetece imaginar alguns diálogos tragicómicos que ocorrerão.
Infelizmente, podia achar-se que a repetida falta de preparação, competência ou inspiração mostrada por Fábio Veríssimo o afastaria gradualmente da principal liga portuguesa, mas a arbitragem em Portugal beneficia de uma tolerância extraordinária. Não me interpretem mal. Façam mais para credibilizar a atividade. Ninguém discordará da máxima segundo a qual toda a gente merece uma segunda oportunidade, mas há um motivo pelo qual não se convencionou dizer que toda a gente merece uma décima oitava oportunidade.