OPINIÃO Tanto diz a emoção de um rival
Os olhos molhados de Guardiola ajudam a entender o legado que Klopp deixa em Anfield
Jürgen Klopp é especial até na perspicácia com que define o momento de fechar ciclos. Já o tinha mostrado anteriormente, salvaguardando despedidas emotivas mesmo perante um último balanço negativo. Deixou o Mainz em 2008 porque falhou a subida à Bundesliga que tinha festejado quatro anos antes, e em 2015 disse adeus ao Dortmund com o 7.º lugar da Liga alemã e uma derrota na final da Taça.
No Liverpool prolongou ainda mais a estadia, até aos nove anos, mas na última campanha ergueu apenas a Taça da Liga. Os adeptos não esquecem o que ficou para trás, porém: a Liga dos Campeões de 2019, a Supertaça Europeia e o Mundial de Clubes do mesmo ano, a Premier League de 2020, a Taça de Inglaterra e a Supertaça de 2022, para além da primeira Taça da Liga, também nesse ano.
Mas a herança maior que Klopp deixa por onde passa não são os troféus que ficam no museu. É o carisma que o diferencia, representado naquele sorriso rasgado pela gargalhada contagiante de quem vive com paixão o que faz. Inteligente a escolher projetos com os quais se identifica, consegue depois ser pleno na forma como se relaciona com jogadores, adeptos e até jornalistas.
Recupero uma ideia que não me canso de apregoar: se o futebol vivesse apenas de resultados ninguém assistia a jogos inteiros, limitava-se a seguir o resultado no telemóvel. Quem tem o treinador alemão arrisca-se a ganhar títulos, mas sempre na condição de assumir a identidade que está a contratar. Klopp é como aquele amigo divertido que nos dá boleia ao sábado à noite: nem sempre acabamos de copo na mão no lugar que tínhamos estipulado, mas sabemos que a viagem vai valer a pena. E no caso do alemão nem é assim tão invulgar acabar a jornada em festa.
A energia de Klopp faz bem a todos aqueles que o rodeiam. Inclusive aos rivais. A prova disso são as palavras emocionadas que Pep Guardiola lhe dedicou enquanto festejava o tetracampeonato (que só não é hepta por causa do Liverpool).
O treinador do Manchester City assumiu que vai ter muitas saudades do alemão, destacou o respeito que sempre existiu entre ambos e acrescentou que a rivalidade obrigou-o a ser melhor treinador. «Não contam apenas os títulos. Existem personalidades que, ao chegar a determinado lugar, ficam lá para sempre», resumiu o espanhol, com a assertividade habitual, colocando Klopp no patamar de Bill Shankly e de Bob Paisley.
Ambos os técnicos sabem que a evolução do seu trabalho será sempre proporcional à exigência da concorrência que tiverem. E Klopp leva o seu trabalho muito a sério, mas nunca a ponto de deixar de se divertir. É quando sente que está a cair nessa possibilidade que decide fazer as malas. Só ele seria capaz de fechar o ciclo a entoar um cântico dedicado ao sucessor. Agora é esperar que recarregue a gargalhada e volte o quanto antes. O futebol não tem a mesma graça sem ele.