Saúde mental e assédio

OPINIÃO04.10.202206:30

Que se tenha coragem de ilibar quem merece e condenar exemplarmente quem deve ser punido

A questão da saúde mental começa, felizmente, a assumir a importância que tem no mundo do desporto e isso deve-se muito à coragem de vários atletas em dar o passo em frente e revelar, na primeira pessoa, os tremendos desafios que viveram a esse nível.

A brutal exigência das competições torna reféns muitos atletas que sucumbem a uma vida intensa, cheia de carga física, compromissos e responsabilidades.
 
Sobre os seus ombros carregam a obrigação de desempenhos de excelência e de uma imagem exterior de sucesso e confiança, quando muitas vezes a embalagem bem empacotada esconde anos de exaustão, angústia e sofrimento.
 
Por muito que o corpo aguente (e aguenta quase tudo), por vezes a cabeça tem limites e há um momento em que o apoio especializado torna-se obrigatório. 

Quando o atleta pede ajuda publicamente, quando reconhece que está a viver um momento difícil e escolhe não se voltar a esconder em si mesmo sensações que não domina - geralmente fá-lo por receio de se expor perante colegas, adversários e família -, provavelmente já chegou ao seu limite máximo de tolerância.
 
Nessa altura é fundamental que as instituições/clubes onde pratica desporto estejam com ele, ao seu lado e tudo façam no sentido de o ajudar a superar um obstáculo que pode ser tremendo.

Frederico Morais, um dos maiores surfistas da sua geração, reconheceu recentemente que tem o apoio de um psicólogo desde os 16 anos que «é quase um mentor, porque as coisas têm de estar bem arrumadas na cabeça». Não podia ter mais razão.

Quem também partilha dessa ideia é David Ancelotti (esse mesmo, o filho de Carlo), que abdicou cedo da carreira de futebolista para se dedicar, a tempo inteiro, a analisar a mente dos atletas. Segundo o italiano, num futuro não muito longínquo do nosso «todos os jogadores terão o seu próprio psicólogo» e isso será algo tão normal como recorrer a um pudólogo ou nutricionista.
 

COMO deu ontem nota a Tribuna do Expresso num artigo que merece leitura atenta, há cerca de um ano a NWSL - principal liga norte-americana de futebol feminino - cedeu à pressão de sindicatos de centenas de atletas relativamente a denúncias de assédio sexual alegadamente perpetuadas por alguns treinadores. Na sequência e como medida de força, decidiu cancelar cinco jogos do campeonato. Pouco tempo depois, a líder da entidade organizadora foi despedida.

Esse momento foi fundamental para dar início a um conjunto de investigações que culminaram num relatório ontem publicado, com conclusões arrepiantes:  «A NWSL é uma liga onde os abusos e más condutas sexuais, verbais e emocionais são sistémicas, afetando múltiplas equipas, treinadores e vítimas e estando enraizada numa cultura que normaliza abusos e distorce as fronteiras entre jogadoras e treinadores.» 


LÁ COMO CÁ É PRECISO TRAVAR JÁ! 

Qualquer tipo de assédio é condenável. Mas aquele que é feito por quem tem uma relação de poder momentâneo sobre a vítima é ainda mais perverso: o professor sobre a aluna, o patrão sobre a funcionária, o treinador sobre a jogadora.
 
O assédio cometido «por elas sobre eles ou sobre elas é igualmente censurável, mas bem menos frequente«. 

Que se investigue tudo até às últimas consequências e que a justiça, toda a justiça, tenha coragem de ilibar quem merece ser ilibado e condenar exemplarmente quem deve ser punido
.
Há uma linha que separa o aceitável do criminoso e cabe a cada um de nós o dever ético e moral de nunca a ultrapassar.