Quanto mais se sabe de Alcochete, mais apavorados ficamos

OPINIÃO09.01.202003:00

Quando assisti à primeira reação de Bruno de Carvalho ao assalto a Alcochete escrevi um texto que então deu muita polémica («Bruno, és tu ou eu»). Não só considerava o então presidente do Sporting responsável moral por aquele ataque, como entendia que o clube tinha de mudar rapidamente de presidente do Conselho Diretivo.

Antes disso jamais me houvera pronunciado sobre a vida do clube. Depois disso, acabei numa Comissão de Fiscalização que, com o trabalho competente dos meus colegas e sócios sportinguistas, organizou uma nota de culpa que esteve na origem da suspensão (primeiro) e da expulsão (mais tarde) de Bruno de Carvalho. No citado artigo que escrevi no Expresso deixei claro algo muito sério: «Temos de assumir algo que me custa escrever e dizer - ou arranjamos forma de na próxima época (2018/2019) termos outro presidente ou devemos - e é um dever categórico - sair do Sporting.»

Este apelo não era um mero desabafo ou fanfarronada. Basta seguir o que se vai sabendo no Tribunal do Monsanto, onde está em curso o julgamento dos acontecimentos de Alcochete. Acaso o Sporting quisesse seguir aquela via (que, felizmente recusou, e por esmagadora maioria), seria um clube indigno para pessoas com um mínimo de decência.

Saliento os depoimentos de Rui Patrício e de Jorge Jesus. Fica óbvio pelas suas declarações - por muito que o deselegante advogado do ex-presidente queira desvalorizá-las - que Bruno de Carvalho, com a sua atitude, foi o responsável moral por aquele crime (e quando digo moral não significa que tenha dado a ordem). A mim, não me restam dúvidas de que uma de duas coisas fez: ou instigou ou não agiu de forma a impedir o que se passou. É este homem que ainda tem quem o bajule e idolatre? Valha-me Deus!

Demissão e má-criação

O tempo foi passando, desde o dia 8 de setembro de 2018, quando a nova Direção foi eleita. Nessa mesma noite os sportinguistas tiveram uma enorme esperança de que os fantasmas do brunismo tinham ficado para trás. Nada mais errado - persistem e atacam, ora armando-se em vingadores, ora em vítimas.

Por outro lado, a promessa principal do novo presidente - unir os sportinguistas - tarda em se concretizar. A meu ver por dois motivos essenciais: por um lado, o principal, há sportinguistas que não se querem unir, colocando sistematicamente os seus interesses ou a sua teimosia acima dos desígnios do clube; por outro, porque Varandas não tem a habilidade, paciência e, talvez, humildade suficiente para levar a cabo tal tarefa.

No entanto, a Direção do Sporting e o seu presidente em particular realizaram algumas tarefas absolutamente necessárias, no meio de erros clamorosos. Passando estes últimos rapidamente, as compras e vendas de jogadores, a novela de Bruno Fernandes e a constituição da equipa, incluindo sucessivas alterações de treinadores, não foram de molde a uma pacificação clara. Têm esta janela de janeiro para emendar a mão, se conseguirem. E cá espero o desfecho da possível venda de Bruno, da ventilada venda de Acuña (que golaço marcou ao Porto!) e da falada contratação de Sporar… Sabendo que não temos um avançado que saiba aproveitar as oportunidades criadas, como ainda se viu domingo passado, quando na segunda parte podíamos ter construído um bom resultado perante o adormecimento da equipa comandada por Sérgio Conceição.

Outro dos problemas foi não assumir, desde o início, que a situação económica e financeira do clube era dramática.

Como pontos positivos destaco sempre a relação com as claques, impedindo que o seu poder crescesse e se tornassem em focos de poder ilegítimo no clube. A luta contra a violência no desporto, contra as organizações que giram ao seu redor, de que ainda ontem tratou com o Governo (urgindo-o a ter uma ação mais decidida, como deve), é um acervo de considerável importância que tem de ser reconhecido a Varandas.

Simultaneamente, essa sua luta constante contra este cancro que se infiltrou no futebol, dá-lhe um seguro de vida no clube. Boa parte dos que o poderiam contestar não querem ficar associados a estratégias das claques ou do anterior presidente.

Por isso mesmo, vejo com perplexidade (e total falta de senso) o pedido de uma AG para a destituição dos corpos sociais do clube. O pedido terá as assinaturas necessárias, terá até o que os signatários entendem por falhas graves cometidas por estes corpos sociais e será legal. Mas não faz o menor sentido. Desde logo, porque se percebe (embora o desmintam) de onde vem a ideia. Depois, porque se estão a aproveitar de resultados medíocres no futebol para criar mais instabilidade, que não é bem-vinda nem necessária. Por último porque não se vislumbra quem tenha condições para substituir os atuais corpos sociais.

Por último, um dos impulsionadores tem atitudes em AG que não são dignas nem de um sportinguista, nem de um democrata nem de uma pessoa educada. Só isso bastaria para não contarem com o voto de quem, pelo menos, quer salvar a decência.

Uma forma de contribuir para uma solução diferente da atual, seria construir uma unidade de grande parte dos sportinguistas que perfizeram os 71% dos votantes que demitiram Bruno de Carvalho e, com a anuência ou compreensão dos atuais corpos sociais construir-se (o que me parece, ainda assim difícil) uma espécie de Direção de unidade abrangente. Mas isso jamais passaria por uma atitude hostil à atual Direção… embora ela se arrisque a tê-la, e com força, caso não mude a agulha.

Mudar os Estatutos

Outra das ideias que anda no ar no muito conturbado Sporting é a mudança dos Estatutos. Aplaudirei entusiasticamente tal medida se ela não se ficar pela simples alteração da possibilidade de o voto eletrónico se fazer a partir dos núcleos. Não que tal me pareça mal (desde que em todos, ou pelo menos, segundo uma regra clara, como por exemplo, o número de sócios de cada um deles). O que não me parece ajustado é o trabalho e a mobilização necessários para uma empreitada como a mudança de estatutos sem mexer nas inúmeras coisas que estão mal nestes estatutos.

Por exemplo, sou defensor da eleição em listas separadas da Mesa da Assembleia Geral e da Comissão Fiscal e Disciplinar, esta (e apenas esta) por método de Hondt. Sou defensor, não do velho Conselho Leonino, mas de um sistema de delegação de votos dos sócios (também por método de Hondt, é evidente) de forma a substituir todas as AG salvo as eleitorais. As Assembleias Gerais tal como são feitas são um logro, exceto as eleitorais, porque quando se realizam já houve, no geral, debate e troca de pontos de vista entre quem se candidata, de modo a permitir a cada um depositar o seu voto em consciência. Nas restantes, ou se vota sem debater, ou caso haja debate são uma constante gritaria em que uns poucos impõem, à lei do berro e da intimidação, a sua vontade.

Não pretendo ter razão, nem que tudo se possa solucionar da forma que esquematicamente aqui exponho. Mas parece-me muito mal abrir um processo de revisão estatutária por um motivo que sendo importante para todos os sportinguistas que não vivem perto de Lisboa, pode ser solucionado no âmbito de vários outros pontos que são completamente errados (alguns deles, desconfio que não totalmente legais) nos estatutos atuais.