Por enquanto só chegámos à Madeira… e nem a toda
Mas o futebol faz-me falta. O futebol a sério, aquele que nos leva aos estádios, mais concretamente, no meu caso, a Alvalade, e faz estar horas - normalmente sob os protestos de parte da família - a olhar para uma televisão, constantemente interrompido por perguntas como: que clube é aquele? De que país? Mas esses são os amarelos ou os brancos?
Conseguimos estar quase duas horas entretidos. E logo agora, que tanta gente está confinada, era ótimo haver uns jogos para ver. Saliento a imaginação, a memória e a audácia de televisões e jornais dedicados ao desporto e ao futebol, em particular, mas ninguém levará a mal, porque todos o sabem, se lhes disser que lhes falta o essencial, que é a bola a correr de pé para pé com o objetivo de entrar na baliza.
Não há maneira de se prever quando acaba esta longa seca. Nem de saber se acabam campeonatos, se ficam assim, se como é. Várias propostas foram feitas e qualquer uma me parece aceitável, salvo a de querer começar antes de estarem asseguradas todas as garantias de que não haverá contágio. Nem entre jogadores e equipas técnicas, nem entre espectadores.
Este, digamos, é o problema de a bola não rolar no campo. Há uma saudade tão grande que me interesso por apostas acerca de remates à trave de Cristiano Ronaldo. Um homem que consegue acertar na trave de propósito tem todo o meu respeito e permite, de certo modo, um olhar diferente sobre o jogo: quando alguns atiram à trave - e há tantos especialistas - não farão de propósito?
A aposta foi na Madeira e era ontem descrita com pormenor e graça nas páginas iniciais deste jornal. Foi no Estádio do Nacional, o único dos clubes portugueses que voltou aos treinos em campo, embora - dizem - com cuidados. Neste aspeto já chegámos à Madeira, mas só a parte dela, porque o Marítimo continua como os outros… à espera.
Porém, há quem não se conforme com a sorte. O Nacional da Madeira ia em primeiro na Liga 2 e, se as contas saírem furadas, pode ter de continuar no segundo escalão. Será injusto, mas injustiças causadas por este vírus é o que há mais por aí, pelo mundo todo, atacando desportistas, mas sobretudo trabalhadores, pequenos empresários e toda a cadeia de valor das sociedades.
O inevitável apressou-se
Há muito que todos escrevemos que o futebol português anda mal, espécie de segunda divisão (melhor das hipóteses) do futebol europeu. Com a crise que aí vem, e as estimativas do FMI para o mundo e para Portugal o confirmam (sendo que Mário Centeno, no que diz respeito ao nosso país, não as contraria), os clubes vão ficar numa situação verdadeiramente assustadora.
A maioria deles anda a gastar o dinheiro que devia receber nos próximos cinco ou seis anos. Como neste momento não tem nada (ou quase) a receber, a miséria está ao virar da esquina. E ainda tem de pagar (por menos que seja) aos jogadores e aos funcionários. Neste particular, o Sporting conseguiu uma redução de 40% dos salários das vedetas e está a propor lay-off a parte dos funcionários.
Confesso que não tenho energia para discutir este tipo de medidas. Parecem-me inevitáveis, feitas daquela massa que se chama, pelo menos na política internacional, TINA (acrónimo inglês para Não Há Alternativa - There Is No Alternative). Não sei se alguns sócios mais necessitados ou escrupulosos pensam pedir a devolução das quotas que pagaram estes meses e dos jogos que a que tinham direito com as GameBox. Eu não tenciono fazê-lo, porque é nestes momentos que, como diz o povo, temos de ser uns para os outros. Mas também gostaria de ver os dirigentes do clube e da SAD abdicarem de muita coisa. Muito mais do que os jogadores ou os próprios funcionários em lay-off. Porque o dirigismo desportivo, tal como é entendido no Sporting e na generalidade dos clubes mais importantes de Portugal, não é um modo de vida. No entanto, claro, toda a gente é livre de exigir os seus direitos, mesmo que os direitos sejam injustos.
Já no que diz respeito à penúria em que vão ficar os clubes portugueses, não se pode dizer que tenha sido azar. Há muito que eles caminhavam no arame e sem rede. Era óbvio que qualquer abanão (e escusava de ser este terramoto tão destrutivo) os faria desabar. Preparemo-nos, pois, para uma progressiva degradação dos clubes portugueses… as respetivas academias ainda podem aguentar os primeiros embates, fornecendo jogadores para os grandes europeus; assim como os inúmeros e bons jogadores e treinadores que temos espalhados pelo mundo, levando o nome do país e a credibilidade da seleção e do nosso futebol, ainda nos vão mantendo num patamar mais elevado do que aquele que, efetivamente, merecemos.
E, se este movimento de afastamento das grandes ligas em relação a campeonatos como o nosso era já evidente e inevitável, esta crise veio acelerar esse movimento.
Regras e calendários
ébom que algumas regras mais polémicas e menos compreensíveis do futebol tenham, finalmente, mudado. Por outro lado, é lamentável que certas decisões que são reclamadas um pouco por todo o lado e só viriam contribuir para maior transparência no jogo, tenham ficado na gaveta. Por exemplo, as comunicações entre os vídeoárbitros e os árbitros de campo serem partilhadas com os espectadores. Ou qualquer expulsão - seja direta seja por acumulação de amarelos - ser objeto de verificação no VAR. Ou o árbitro de campo, a quem cabe sempre a última palavra, ser obrigado a ver as imagens, independentemente das certezas que já formou. Ou, talvez a mais inteligente de todas: fazer como no ténis, e permitir que cada treinador (ou cada equipa) tenha direito a pedir um número restrito de verificações, por exemplo três. Essas repetições seriam vistas também no estádio, com as comunicações entre árbitros audíveis e com as explicações do árbitro (como no râguebi e futebol americano) também para as bancadas. Caso o reclamante tivesse razão, continuaria com a possibilidade de fazer três pedidos; caso não tivesse, restar-lhe-iam dois. Isto não só baixa - e muito - as sucessivas reclamações, como aumenta - e muito - a responsabilidade e necessidade de critério da e na arbitragem. Dir-me-ão que haverá sempre casos duvidosos. É verdade, mas o árbitro tem sempre a última palavra. A diferença é que tem de explicar as decisões a todos os que (também) estão a ver o mesmo do que ele.
Voltando sempre às saudades que os jogos deixam, esta poderia ser uma oportunidade - e boa - para a Liga fazer um novo modelo de campeonato. Já aqui defendi vários modelos possíveis que aumentariam o número de espectadores nos estádios, as incertezas nos resultados e a competitividade da prova. Mas o mais difícil é que todos esses modelos passam por uma substancial redução dos clubes a militar na Liga; e por finais a quatro ou seis, que ainda deixam mais clubes de fora.
Mas poder-se-ia ter uma contrapartida que, de qualquer modo, já poderia ter sido posta em prática: o dinheiro dos direitos desportivos ser repartido de forma (mais ou totalmente) equitativa entre todos os participantes de todas a Ligas. Fair play é assim. O mais forte, por ser mais rico, ganhar sempre, é como nos jogos de rua haver o dono da bola, que acaba o jogo quando quer, porque a leva com ele para casa.