Pedra, papel ou tesoura
(& chronos)
1 Ainda o campeonato nem a meio vai, nem o fim do ano chegou, e já são tardias algumas mudanças resultantes das lições aplicadas pelo tempo de competição transcorrido. É como alguns dizem de certas jogadas mais duras: entradas a destempo. Não sendo eu treinador de bancada, não me atrevo a dizer o que o técnico do meu clube deveria fazer. Já como adepto, e apenas nessa qualidade, passo a dar a minha opinião sobre os aspectos da equipa que, de momento, me despertam maior atenção. Assim: i) quanto à defesa - só Marchesín e Alex Telles são indiscutíveis, enquanto Mbemba parece merecer a titularidade, do mesmo passo que não creio que nenhum dos actuais centrais seja melhor do que Danilo nessa função nuclear, donde se conclui que a dupla Felipe/Militão não foi substituída à devida altura; ii) o par de alas composto por Corona e Telles está ao nível dos melhores da Europa, pelo menos a atacar; iii) apesar de jogar bem em qualquer das linhas, Otávio deve ser o processador do jogo portista, tendo atrás de si Danilo ou Loum (mas não Uribe) e à sua frente, como 10, ou playmaker, ou vagabundo, conforme se prefira, Nakajima; iv) finalmente, Luis Díaz pode até variar de flanco, mas deve integrar, por regra, o melhor onze. Pronto, é isto. Sem esquecer quem acabará mesmo por entrar, como Romário Baró e Fábio Silva.
2O jogo com o Tondela, no Dragão, começou com 8 (oito!) minutos de atraso. Não sei, nem me interessa saber, quais possam ser as putativas razões para tal invocadas. Basta-me saber que não há nenhuma que legitime tal procedimento. Que denota, além de falta de profissionalismo, um profundo desprezo pelo público. Mas há mais quem ande confundido com as regras do tempo. É o caso de alguns árbitros e comentadores que contemporizam com certas infracções, deixando-as impunes ou absolvendo-as com uma mera advertência, sob o pretenso argumento de se tratar da «primeira vez» ou de o desafio ainda estar nos primeiros minutos. De tanto ouvir tais bizarrias fui reler as leis do jogo. Debalde. Não encontrei nestas indício algum de qualquer infracção poder ou dever ser atenuada ou agravada pela circunstância de a mesma suceder no princípio, no meio ou no fim do jogo. As regras são sempre as mesmas, permanecendo imutáveis do primeiro ao último minuto de cada partida.
Pim, pam, pum!
1 Recordemos um jogo infantil tão antigo quanto popular e conhecido como pedra, papel e tesoura. As suas regras são simples: através de gestos, cada jogador escolhe um de três objetos postos em confronto, sendo que a pedra (punho fechado) ganha à tesoura porque a parte; a tesoura (dedos indicador e médio esticados) derrota o papel porque o corta; o papel (mão aberta) bate a pedra porque a embrulha. Antes de prosseguir devo, porém, proceder a uma declaração de interesses: não me lembro de, em toda a minha vida, alguma vez ter praticado tal jogo. Mas não ignoro que, para além do seu carácter lúdico, serviu também o dito para tomar decisões que, por natureza, deveriam ter sido assumidas pela livre vontade dos homens. Sucede isto quando se desacredita tanto na incapacidade própria quanto se crê na bondade aleatória. Recorre-se então ao factor sorte como critério decisional aplicável a uma particular situação de conflito, ficando assim, na ausência de consenso, todos os protagonistas em pé de igualdade. Mas eis que esse jogo acabou de saltar dos pátios dos prédios ou dos muros das escolas para um dos principais gramados brasileiros. Vejamos como: cenário - São Januário, casa privativa do Vasco da Gama, o clube mais português do Brasil; tempo -última jornada do campeonato; estado do jogo - com um empate a zero, ainda na primeira parte, os vascaínos conquistaram um livre perigoso junto à área do adversário e de imediato três jogadores se aprontaram para a respectiva marcação. Perante o impasse, um deles sugeriu que jogassem ao pedra, papel ou tesoura como forma de desempate. A sorte apostou em Guarín (sim, o mesmo que foi campeão pelo FC Porto). Mas foi o azar quem venceu a aposta, pois na marcação do livre o médio colombiano atirou contra a barreira. O desafio, que nada decidia, terminaria empatado a um golo, sendo que o do Vasco foi marcado por um daqueles três artistas na conversão de uma grande penalidade. Desta vez, contudo, sem recurso a nenhum oráculo para revelar quem teria a responsabilidade de bater a bola.
Moral da história - o mal disto tudo resulta de muitos futebolistas serem versados na obra de Fernando Pessoa, culpado de ter proferido esta sentença: «As almas fortes atribuem tudo ao Destino; só os fracos confiam na vontade própria, porque ela não existe».
2 No passado sábado o Aves perdeu na visita ao Bonfim, deste modo permanecendo no último lugar, já a seis pontos da linha de água. E para mais esta derrota muito contribuiu o falhanço de uma grande penalidade assinalada sobre Welinton, que logo se preparou para a respectiva conversão. Só que o desejo do extremo brasileiro esbarrou na intransigência do iraniano Mehrdad Mohammadi, o habitual marcador de penáltis. Mas ao contrário dos vascaínos, os atletas do Desportivo das Aves não leram Pessoa e só acreditam neles próprios. Não no destino, não em pedras, não em tesouras, não em papelinhos. Só neles. Conclusão: os dois jogadores avenses acabaram por se pegar. E lá ficou o iraniano responsável pela execução. Porém, a bola acabou defendida pelo guardião sadino. O que fez com que o desentendimento avense tenha prosseguido no balneário após o apito final. Se ainda fosse vivo, deles diria o célebre escritor italiano Pitigrilli: «Eram mais do que inimigos - eram irmãos.»
Entrevista imaginária
- Como está a sentir a temperatura do jogo?
- Olhe, se quer que lhe diga, não acho nem quente nem frio...
- Quer dizer que o jogo está morno, não aquece nem arrefece?
- Não disse tal. Digo é que não está quente nem frio - devem estar uns zero graus.