OPINIÃO Os homens medem-se às palmas
O mal das vitórias é que não são definitivas; já o bom das derrotas é que também não são. 'Livro do desassossego', a opinião de Jorge Pessoa e Silva.
No futebol, como na vida, a fronteira entre a vitória e a derrota é tão ténue que nada pode ser dado como adquirido. Três minutos são uma eternidade e podem mudar um destino. Uma viagem entre o inferno ao céu. E quatro centímetros a distância entre o purgatório e o paraíso. Como muito bem provou o Benfica e sentiu na pele o Sporting, num dérbi que nos disse mais da vida do que possamos imaginar.
No futebol, como na vida, os homens não se medem aos palmos. Palmas para João Neves, o menino com cara de menino, o sorriso permanente de quem está a brincar finalmente no parque de diversões favorito. João Neves não joga futebol, joga à bola. Não é um futebolista, é um miúdo encantado com tudo. E palmas para Gyokeres, que nos devolve ao desassossego, em permanente estado febril, destemido, a jogar tudo a cada lance. João Neves e Gyokeres, tão diferentes e tão iguais no esplendor da condição humana.
No futebol, como na vida, a sorte e o azar são as fronteiras que traçamos para demarcar a incapacidade de compreender ou, pior, de aceitar as razões do insucesso. O escritor norte americano Michel Levine retratou-o numa reflexão irónica: «Os vencedores são pessoas com muita sorte. Se não acredita, pergunte a um fracassado.». Usamos a sorte e o azar para preencher espaços vazios. A sorte e o azar são maus conselheiros: a sorte ofusca o mérito; o azar desresponsabiliza o erro.
No futebol, como na vida, três minutos e quatro centímetros chegam para se vencer ou perder. Mas um jogo dura mais do que 90 minutos. Ainda se joga na Luz e em Alvalade, na gestão emocional e na aprendizagem. Schmidt sabe que esteve melhor do que Amorim na gestão feita durante o jogo, mesmo que em vantagem numérica; cavalga no potencial anímico pela forma como a equipa venceu; comprovou que os jogadores têm alma; mas sabe também que apenas ganhou tempo e um estado de espírito mais favorável para o que tem ainda de fazer para o Benfica se parecer sequer com a última época. Já Amorim tem de garantir que os jogadores entendem que se é verdade que a qualidade do processo é importante para a vitória, nem sempre coincidem. Amorim sabe que, a jogar como jogou na Luz até à expulsão, estará mais perto do sucesso. E Amorim sabe o que correu mal, da escusada expulsão de Gonçalo Inácio às próprias substituições que fez, ao desequilíbrio emocional revelado nos minutos após a expulsão e após o golo de João Neves.
No futebol como na vida, o sucesso e o insucesso são impostores. Apenas indicam onde estamos. Nada dizem de quem somos, que caminho trilhámos e para onde queremos ir. Vitória ou derrota são uma fotografias ao momento, mas a vida não é um instantâneo capturado num frame, é um filme com argumento a ser escrito. É por isso que continuo a achar que tendo o Benfica vencido com mérito, o Sporting está num estádio de evolução e maturação superior, logo, mais perto, neste momento, de ser campeão. Repito: neste momento.
No futebol, como na vida, festejar antes de tempo não é aconselhável e pode ter um efeito boomerang. Os olés dos adeptos do Sporting ao minuto 90 foram devolvidos pelo Benfica com dois socos implacáveis. Os olés, confesso, é o que mais me incomoda num estádio. Mal por péssimo, prefiro o vernáculo. Porque os olés são vontade de humilhar. E no futebol, como na vida, humilhar é indigno e, às vezes, feitiço que se vira contra o feiticeiro.
No futebol como na vida, também é preciso saber ganhar. Schmidt estava a três minutos de entrar na sala de imprensa com ar constrangido, ensaiando as melhores justificações que conseguisse. Três minutos bastaram para que o sorriso se rasgasse, enchesse o peito e tivesse até atirado um olé, passe a expressão, a um jornalista. Fica mal a sobranceria dos vencedores. às vezes acho que a culpa é dos jornalistas: mimamos as pessoas, em especial quem chega de fora. Já assisti a conferências em muitas dezenas de países e os jornalistas portugueses, regra geral, são dos mais compreensivos do mundo. Basta atravessar a fronteira para se perceber a diferença. Se um dia Roger Schmidt treinar em Espanha, aprende logo duas coisas: que não tem mais do que um mês para falar espanhol nas conferências de imprensa e que vai sentir saudades dos jornalistas portugueses. No mais, remeto para o meu vizinho de página, Hugo Vasconcelos, assinando tudo o que escreve na coluna ao lado.
Finalmente, no futebol como na vida, «o que as vitórias têm de mau é que não são definitivas; e o que as derrotas têm de bom é que também não são definitivas…». E quando Saramago fala eu não tenho mais nada a acrescentar.
Violência não é força, é medo
As pessoas não se mobilizam em massa, na política como nas assembleias dos clubes, para dizer amém, do género «vim aqui só para dizer que concordo com tudo, está tudo bem, continuem assim». A mobilização em massa é indicador de desejos de mudança ou, numa versão mais conservadora, correções de rota. E a notável mobilização dos sócios portistas, que apanhou se surpresa os próprios órgãos sociais na lamentável Assembleia Geral de segunda-feira, prenunciam ventos de mudança. Mas não totalmente novos. Os surpreendentes 26 por cento de José Fernando Rio nas últimas eleições foram um aviso. Colocando o dedo no barro que pode fazer ruir a estátua. Os adeptos estão disponíveis para tudo, para comprar todas as guerras, mas não toleram que o FC Porto se torne num clube burguês a engordar uns quantos. Não entendem que se vendam pérolas por bom dinheiro, prejudicando o sucesso desportivo, e, ainda assim, se mantenham os prejuízos. Por isso, a gestão financeira e o combate à nova burguesia será tema central da oposição.
Será cedo para medir com exatidão os efeitos dessa Assembleia. Para já, Villas-Boas capitalizou. E foi incisivo ao denunciar a passividade dos dirigentes na AG. Naquele pavilhão estava quem, com um único gesto, conseguiria restabelecer a ordem. Sei que Pinto da Costa passará sempre incólume ao julgamento que os sócios fizerem. Mesmo os que não votarem nele, terão sempre uma palavra de gratidão. A culpa será sempre daqueles que o rodeiam. Mas pela primeira vez não dou como garantida a vitória tranquila de Pinto da Costa nas eleições. Não dou eu e não dá quem o apoia a avaliar pela forma como reprimiu outros sócios que se limitaram a não bater palmas… Porque a violência nunca foi um sinal de força, mas de medo.