O ‘tilt’ da pulsação dos misters
Não deve ser divertido estar hora e meia sentado num banco com a pulsação a 150 batidas por minuto e depois comunicar bem
SER treinador, mister para os mais íntimos, deve ser das profissões mais desgastantes. Preparar a equipa durante uma semana (por vezes apenas em dois ou três dias), sempre com a cabeça a prémio, para chegar ao domingo (dia tradicional de futebol) e estar hora e meia com a pulsação, digamos, a 150 por minutos, deve ser tudo menos divertido. José Mourinho, por exemplo, naquele seu jeito sarcástico, chegou a dizer, apontando fisgas, flechas e espingardas a um dos seus favoritos ódios de estimação (os jornalistas), que gostava de nos ver lá em baixo, no relvado, a tomar decisões com a pulsação a mil. É uma ideia. Nunca fui (nem quero ser) treinador. Mas aprecio, sobretudo, os treinadores que são grandes a preparar a equipa, a escolher os jogadores, a interpretar o jogo, a mexer quando a equipa não está bem, mas também a comunicar da forma ideal.
Claro que uma coisa é comunicar bem quando se está a ganhar e outra é comunicar bem quando se perde. Ou quando se acabou de perder, como é o caso das entrevistas rápidas após os jogos ou mesmo as que acontecem já na sala de conferências de imprensa. Pessoalmente, embora também já tenha pisado o risco da agressividade, não gosto de pessoas (no caso, treinadores) agressivas, embora tenha de ser tolerante para com quem, por vezes (uma… duas… dez… 22), pisa o mesmo risco. Aliás: pisa com a força de um elefante. Repito: cada caso é um caso; cada pessoa é uma pessoa; cada profissional é um profissional. Tenho amigos que são pessoas sensatas, colaborantes e até sensatas na vida corriqueira, mas que, quando sob pressão, os neurónios fazem tilt e explodem. Os treinadores serão dos profissionais mais propícios a tilts. Por isso, por vezes, explodem antes, durante e após os jogos. Também por este retrato, aprecio a aparente serenidade de Roger Schmidt. Com uma diferença: está a ganhar. Ou antes, está na frente da Liga. Manda o bom sendo esperarmos para ver quando o Benfica estiver (e esse momento chegará, como sempre chega) a perder ou a não ganhar durante período mais alargado. Se calhar é fotocópia do gélido sueco Sven-Goran Eriksson, o qual, ganhasse ou perdesse, aparentava sempre tremenda serenidade.
Outro caso é Rúben Amorim. Há quem olhe de lado para o treinador do Sporting. Até mesmo alguns sportinguistas. Que é sonso. E cínico. Não sei se é, ou não, porque nunca troquei duas palavras com ele e, por isso, não posso traçar retrato profundo. O que me parece, sobretudo, pela conferência de imprensa de ontem, de antevisão ao jogo com o Rio Ave, que Rúben Amorim continua a ser mestre na arte de comunicar. Quase toda a gente viu o treinador do Sporting a enviar uma garrafa de água para o relvado, em protesto por ter sido Pedro Gonçalves (e não Ricardo Esgaio) a marcar a grande penalidade do 5-0 final dos leões frente ao SC Braga.
«Pedro Gonçalves foi o único adulto na sala. Mais do que mostrar a minha autoridade, quero pedir-lhe desculpa porque, naquela altura, o único que estava certo era ele», disse ontem Rúben Amorim, acrescentando: «Aqui há uma regra: quem está no papel bate o penálti. E é o único que pode dizer ‘não me apetece bater, passo para ti’. Pedro Gonçalves foi o único que exerceu o seu direito e assumiu a responsabilidade. Fez bem porque, quando estiver 1-0 aos 90, quem vai agarrar na bola é ele. Por isso, tem o direito de marcar o seu golo e, quando quiser passar, a responsabilidade é dele. A verdade é que, por vezes, sou muito emotivo com os jogadores e, quando ouvi o estádio gritar o nome de Esgaio, perdi completamente a noção do tempo e do jogo. Quis criar mais ligação entre eles e exagerei». OK, foi 24 horas antes da pulsação estar a 150 por minuto em Vila do Conde, mas cai sempre bem um treinador (no caso, um superior hierárquico) admitir que esteve mal e pedir desculpa.