O ruído do silêncio

OPINIÃO04.08.202306:40

O Sporting agradecerá, certamente, que pouco, ou nada, se discuta como se discute no Benfica

NO Benfica, vemos a iminente saída de mais um jogador com estrondo, porque no Benfica tudo cria estrondo. Estrondo e ruído. Ruído e muita crítica. Mesmo entre os benfiquistas, quase tudo fica longe de ser pacífico. Agora, é a controvérsia em torno da iminente saída de um jogador (por 80 milhões de euros, porque é essa a cifra que deve acabar por ser paga) que fez apenas um ano como titular das águias. Promissor? Inquestionável. Fundamental? Com todo o respeito, não me parece. 

No Benfica, até uma venda por muito dinheiro já cria polémica, como se fosse fácil (ou obrigatório) o Benfica vender jogadores sempre acima dos 100 milhões de euros. Mas se não é pelo dinheiro, é pelo timing do negócio, e se não é pelo timing do negócio, é por não haver ainda alternativa e se não é por não haver alternativa, é, no caso, por se tratar Gonçalo Ramos de um filho da Luz, com apenas 22 anos e, por isso, intransferível para alguns a não ser pelos 120 milhões da cláusula de rescisão.

No Benfica, em muitos assuntos, parece haver pouco equilíbrio entre os adeptos. Ou é tudo ou é nada. Ou é branco ou preto. Ou se vive euforia ou depressão. Não há meio termo. Tão depressa alguns benfiquistas são capazes de considerar Gonçalo Ramos um atacante de dimensão ainda insuficiente para a capacidade criativa da equipa como logo são capazes de atirar uma pedra ao presidente por aceitar negociar o jogador, como se 65 milhões+15 milhões fosse estar a vender Gonçalo Ramos ao desbarato, já para não falar do importantíssimo aspeto da vontade do jogador, que terá no Paris Saint-Germain um salário que o Benfica nunca poderia pagar-lhe.

No fim de contas, e até ao momento, neste mercado de transferências de verão, a confirmar-se (como estava em vias de se confirmar ao final da tarde de ontem) o negócio Gonçalo Ramos, atingindo, com alguma facilidade, os 80 milhões, apenas ficará atrás da venda de Jude Bellingham pelo Dortmund ao Real Madrid, concluída por 103 milhões de euros.

Pelo espetacular Nkunku pagou o Chelsea 60 milhões ao Leipzig, e nem os árabes, que estão a comprar quem querem, pagaram tanto por Rúben Neves (55 milhões deu o Al Hilal), médio internacional português absolutamente formado e suficientemente experiente.
 

JÁ no Sporting, os jogadores vão, por outro lado, saindo sem qualquer estrondo, quase até em silêncio, e uma parte das contratações dos últimos anos vai deixando o clube pela porta pequena. O Sporting até agradece, certamente, a discrição. 

Saiu Rochinha, sai Sotiris, mais os jovens Joan Marsá ou Tiago Ilori (formado na casa), ainda Mateo Tanlongo (até ver, por empréstimo) ou Rafael Camacho, grande aposta na altura, recrutado ao Liverpool com um custo muito razoável e salário elevado.

Mas talvez pior do que tudo isso, para os sportinguistas, seja, porventura, verem na porta de saída o jovem Chermiti, que gerou tanta expectativa na última época, por um conjunto de características pouco vulgares nos jovens avançados portugueses. Chermiti é alto, é forte, é rápido, e está num interessante processo de crescimento que faz prever (pelo menos prever) um futuro interessante.

O que parece ter surpreendido um pouco mais, no caso de Chermiti, os próprios sportinguistas, terá sido a perceção de que o próprio jogador foi apanhado de surpresa com o acordo entre Sporting e Everton. Pelo menos foi essa a imagem que passou para fora.

Nesse sentido, o que não surpreende, agora, é a decisão do jogador de aceitar negociar com o clube inglês uma vez que percebe, com facilidade, que o acordo entre os clubes é um sinal de menor aposta em Alvalade, como não lhe será difícil concluir que terá muito mais dificuldade em ter, na nova época, as oportunidades de que dispôs na última, sobretudo, naturalmente, após a chegada a Alvalade do forte e muito prometedor internacional sueco Viktor Gyokeres, que será a primeira aposta de Rúben Amorim, à frente, aliás, do próprio Paulinho, ainda que possam jogar juntos, como o treinador leonino já deu, aliás, a entender.

A circunstância, porém, de parecer que nada, no Sporting, é discutido como no Benfica, deixa uma sensação de boa vantagem, porque não há nada melhor para se trabalhar do que um ambiente sereno e tranquilo, ao invés da agitação e ruído, por mais silencioso que ele seja.
 

VOLTO, por outro lado, a Gonçalo Ramos e à iminente transferência do jovem do Benfica para o PSG (assim estava o ponto da situação até ao momento em que escrevo estas linhas): é verdade que se trata de um promissor atacante de 22 anos, segundo melhor marcador do último campeonato português, e bastante alinhado, aliás, como se foi vendo, com o modelo de jogo de Roger Schmidt no Benfica. Mas isso é uma coisa.

Outra coisa, creio, é olhar para esta provável transferência de Ramos para o Paris Saint-Germain (que A BOLA anunciou em primeira mão e se espera ver fechada a todo o instante) e concluir que se tratará (bom senso) de mais um extraordinário negócio do Benfica, que apesar da cláusula de rescisão do jogador, sempre admitiu negociá-lo por verbas a rondar os 80 milhões de euros.

Ora o Paris Saint-Germain, certamente até por razões de ‘fair play financeiro’, chega aos 80 milhões por via dos €65+€15 (mesmo num acordo que será, primeiro, de empréstimo, e só no final da época, em definitivo, para fintar, mais uma vez, o ‘fair play financeiro’) com que parece acabar por convencer o presidente encarnado a abrir mão do jovem ponta-de-lança, cujo valor de mercado, nas diferentes tabelas que existem no universo do futebol europeu, não chegava a ultrapassar (na melhor e última das avaliações) os 50 milhões de euros, tendo em conta a inexperiência e as performances (consideradas ainda insuficientes) na primeira equipa do Benfica, onde apenas chegou a cumprir, na verdade, uma época como titular, com Schmidt, apesar de bem-sucedida, deve reconhecer-se, por um lado pela óbvia conquista do título de campeão, mas também pelo número, ainda assim, de golos (27 no total de 47 jogos que realizou na última temporada).

Para o Benfica, como se previa, depois de conseguir convencer os interessados em Gonçalo Ramos que 50 milhões (valor das primeiras propostas) eram insuficientes, poder encaixar, na prática, 80 milhões (porque os 15 de bónus propostos pelo PSG são fáceis de atingir) é não apenas um extraordinário negócio (vejamos o acordo pelo lado que virmos), como uma oportunidade de reequilibrar financeiramente a balança à luz da estratégia de investimento no projeto desportivo seguida pela liderança de Rui Costa.

Claro que precisam os encarnados de continuar no mercado, não apenas à procura de um guarda-redes, mas agora, sobretudo, de um homem de área, com golo suficiente para criar a expectativa de tornar ofensivamente eficaz o jogo de Roger Schmidt e de uma equipa com muito talento, muita capacidade de criar, mas ainda, visivelmente, pouco matadora para o futebol que constrói.

Esperam os adeptos que à maior venda portuguesa da época (e uma das maiores do mercado de verão, entrando, no mínimo, para o tal ‘top 3’ até ao momento) corresponda também uma contratação de alguma referência para o ataque das águias.

O iminente adeus a Gonçalo Ramos, um jovem avançado, sublinho, muito promissor, também ele, obviamente, desafiado (um pormenor que é sempre um esquecido ‘pormaior’) por irrecusável proposta financeira para um contrato de cinco épocas (tão promissor é o jovem algarvio que um clube poderoso na Europa como é o PSG se dispõe a pagar por ele que vai acabar por pagar) apenas poderá significar baixa importante para Roger Schmidt se a estrutura encarnada não for capaz de encontrar promissor substituto, capaz, na verdade, de fazer esquecer o jovem atacante algarvio.

Porque no futebol, como bem sabemos, a memória dura muito pouco tempo e qualquer rápido sucesso fará esquecer qualquer passado.
 

ABUNDAM os bons candidatos ao lugar de ponta-de-lança na Luz? Claro que não. Mas o Benfica, como outros clubes portugueses, jogará com o projeto, comos nomes de Dí maria, Kokçu, David neres, João Mário, com o bom contexto português para qualquer jogador crescer, se projetar e dimensionar e, no caso das águias, ainda jogarão com a sedutora presença na Champions, o palco, acredito, que os jogadores mais ambicionam... depois do dinheiro.

Tudo isso junto (menos o dinheiro) poderá dar (como já deu) alguma vantagem a clubes portugueses como o Benfica. E é por isso que alguns craques acabam por aceitar vir jogar no nosso País.