O que sabe a Liga que mais ninguém sabe?

OPINIÃO02.04.202002:00

Sinceramente o presidente da Liga de Futebol é um homem que me é simpático. Não sei se alguma vez o insultei, mesmo que interiormente, quando era árbitro, mas desde que é presidente da Liga Portuguesa de Futebol Profissional tenho-o por pessoa ponderada e de bom senso. No início desta crise, porém, não tem estado no seu melhor. Começou por criticar o Governo, coisa que seria natural, não fora para dizer que o futebol também precisa de apoio. Proença tem por missão defender os clubes, e estes estão a perder milhares ou milhões de euros; mas também tem de perceber que, mesmo para aqueles que adoram futebol e com ele vibram, neste momento há coisas mais importantes e decisivas para a sua vida.
Desde logo, a questão da saúde pessoal e dos seus entes queridos. Depois, os seus rendimentos, o problema do desemprego que atinge quase todas as famílias; o layoff que os deixa com menos disponibilidades, enfim, a quarentena ou o isolamento, forçado ou voluntário, que os deixa psicologicamente afetados. Aquilo que há uns tempos lhes parecia objetivos fundamentais - o Porto ou o Benfica campeão; o Braga ou o Sporting em terceiro lugar, etc... - soa hoje a qualquer coisa de distante, arrumada para o quarto dos fundos do cérebro.
Por isso, quando se veio dizer que o campeonato podia recomeçar em maio, eu fui completamente cético. E não sabia do impacto do Covid-19 metade do que sei hoje. Por isso, hoje, já em abril, não só temos todos a certeza de que o campeonato não pode voltar em maio, uma vez que não atingimos visivelmente o tal planalto de novos casos na epidemia e nas mortes que ela provoca, como o próprio primeiro-ministro e as autoridades de saúde entendem que o atingiremos apenas no início desse mês. Esperar por meados de maio é basicamente incongruente. Eu diria, com relativo otimismo, que talvez no final de maio se pudesse voltar a jogar. E, para ser sincero, teria de ser, ou à porta fechada, ou com um terço da lotação dos estádios. Enfim, nada de empolgante que reponha as receitas perdidas do pé para a mão (ou uma vez que se trata de futebol (da mão para o pé).
Não sei de que modo a Liga dizia querer acabar o campeonato até 30 de junho. Faltam 10 jornadas, os profissionais estiveram parados, os espectadores não vão querer grandes aglomerações… Não vai ser fácil. Direi mesmo que é impossível, e que Pedro Proença já deveria ter percebido isso mesmo e deixar de lançar falsas expectativas.

Sem contar com milagres

Assim, sem contar com casos inesperados que terminem com este calvário que temos vivido, diria que o ano de 2020 é para esquecer. Já esquecemos muita coisa em termos pessoais - de rendimentos a planos diversos - e também em termos desportivos - do Europeu de Futebol aos Jogos Olímpicos, passando por dezenas de competições internacionais e nacionais de diversas modalidades. O futebol também pode ser para esquecer. O campeão do ano do vírus nunca será um campeão tão legítimo, por assim dizer, como o de um ano normal.
Claro que se mantêm em cima da mesa diversas hipóteses: já ouvi falar de jogos em catadupa (que seriam uma fábrica de lesões para os jogadores) em campo neutro; já me deparei com a tese de que o campeão deveria ser o da 1.ª volta, isto é o Benfica; ou aquele que vai à frente na interrupção, isto é, o FC Porto. Ou o que saia de uma finalíssima entre os dois, e que dá logo o título de campeão e de vencedor da Taça de Portugal. Como os clubes portugueses (pode dizer-se, com ironia, que atempadamente) já não têm jogos europeus para cumprir esta época, é menos um problema. Mas não o é para a UEFA e para a confusão que serão todos os calendários, apesar de ontem à tarde esta ter recomendado que os campeonatos nacionais se possam prolongar até 3 de agosto.
Abre-se, assim, a hipótese de retomar o campeonato quando for verdadeiramente seguro, o que nunca será antes de meio de junho, e prolongá-lo até agosto. Este cenário, porém, levanta uma série de problemas com os contratos e com as férias. Mas, haver ou não férias - escolares e nas empresas - é outro dos enigmas que ainda se mantêm. Enfim, as variáveis são tantas que me parece impossível dizer algo de concreto sobre este assunto.
Eis porque penso que Pedro Proença ou está a agir mal, ou a ver qualquer coisa que o comum dos mortais não vislumbra. Por mim, penso que o melhor ainda pode ser riscar 2020 do mapa, como se riscaram do mapa Olímpico os anos de 1940 e 1944 (em plena II Guerra Mundial) por não haver condições para os realizar. Se assim for, a época terminou, como terminaram as épocas das equipas não seniores, da responsabilidade da Federação Portuguesa de Futebol. Sem campeões, sem taças, sem nada. É triste, mas condiz com os tempos que estamos a viver.

A questão Mihajlovic

Passando para um assunto inteiramente sportinguista, o meu clube tem de pagar três milhões de euros (que são mais de 300 anos de salário mínimo) por um treinador que nunca o treinou - Sinisa Mihajlovic. Não serei eu a discutir os contornos jurídicos da questão que o Tribunal Arbitral do Desporto (TAS), em Lausana, na Suíça, aquilatou. Como é evidente, os seus adjuntos (dois) parecem que também vão recorrer com a mesma argumentação, uma vez que é de esperar que ganhem não os três milhões, mas ainda assim um excelente totobola.
O treinador sérvio foi contratado por Bruno de Carvalho e despedido por Sousa Cintra, quando este estava interinamente à frente da SAD. Cintra, e parece que os serviços jurídicos do Sporting, entenderam que o técnico ainda estava no período experimental. O tribunal não quis saber disso.
Se já disse que não argumento juridicamente, deixem-me argumentar moralmente: Mihajlovic foi contratado cinco dias - repito cinco dias - antes de uma Assembleia Geral convocada para destituir a direção que o contratou. A isto chama-se uma golpada. Desde logo, pelo antigo presidente se mostrar tão seguro dos apoios que não tinha, que se deu ao luxo de contratar um treinador, ainda por cima com um grande salário. Não pôs sequer a hipótese, que uma pessoa não destituída e intelectualmente honesta poria, de esperar esses cinco dias para saber se tal decisão lhe caberia a ele, ou a outro. Depois, é de sublinhar que Mihajlovic ou estava mal-informado do que se passava no Sporting, ou aproveitou a situação. Também ele poderia ter proposto que se esperasse a clarificação da situação para assinar o contrato. Mas não. E ainda mais: depois de tudo alterado e de saber que os dirigentes que substituíram Bruno de Carvalho não o queriam, o sérvio não teve a dignidade de sair por onde entrou. Pelo contrário, optou pela litigância… e ganhou.
Talvez tenha razão no Direito Desportivo e no Direito laboral. Mas como todos sabemos, nem tudo o que é absolutamente conforme com o direito e as leis é moralmente justo. E aqui ninguém me convence do contrário.