EDITORIAL O péssimo exemplo de Cristiano Ronaldo
Inaceitável o gesto de Cristiano Ronaldo acusando o árbitro de estar ‘comprado’
Acredito que mesmo o mais fiel admirador de Cristiano Ronaldo se perguntará, com alguma perplexidade, como pode a maior figura do desporto mundial perder ainda a cabeça, aos 38 anos, com a desfaçatez com que Cristiano a perdeu, no feriado desta sexta-feira, durante o clássico Al Hilal-Al Nassr, jogo maior da jornada da Liga da Arábia Saudita que opôs, também, os treinadores portugueses Jorge Jesus e Luís Castro.
O péssimo exemplo dado pelo capitão da seleção portuguesa fica seguramente registado como um dos mais inaceitáveis que se viram esta temporada nos palcos dos principais jogos das melhores ligas mundiais, e creio que apenas nos resta esperar, desejar e acreditar que Cristiano Ronaldo se sinta, a esta hora, verdadeiramente arrependido dos gestos que teve no decorrer do grande jogo que opôs a sua equipa ao líder do campeonato saudita, treinado por Jesus.
A grandeza de Cristiano Ronaldo (que em momentos como este é inevitavelmente atingida) devia torná-lo incapaz, sobretudo aos 38 anos e com o notável percurso profissional que tem, de expor em campo atitude tão inqualificável como a de acusar o árbitro de estar comprado pelo adversário, à boa maneira de um certo faroeste muito próprio de décadas como as de 80 e 90, em campeonatos profissionais de dimensão terceiro-mundista.
O gesto de Cristiano Ronaldo, insinuando claramente o recebimento por parte do árbitro de dinheiro do adversário para prejudicar o Al Nassr e beneficiar o Al Hilal, não é um pormenor sem importância nem uma daquelas reações mais admissíveis sempre que se trata de um jogo com temperatura inevitavelmente mais escaldante como era o caso do jogo entre os principais candidatos ao título da Arábia Saudita.
Naturalmente escrutinado pela dimensão e impacto mundial que tem, Cristiano Ronaldo sabe muito bem o que deve ou não deve fazer num campo de futebol e não precisa que lho digam. A competir, não é a primeira vez, aliás, que Cristiano tem publicamente um gesto feio, para não lhe chamar outra coisa, mas creio (correndo o risco de estar errado) que nunca o víramos ser protagonista de uma atitude tão desprestigiante como a que assumiu no jogo de sexta-feira. Fê-lo com um permanente e indisfarçável sorriso irónico e por mais de uma vez exibiu, com as mãos, claro sinal de dinheiro alegadamente pago ao colombiano Wilmar Roldán Pérez, de 43 anos, o árbitro escolhido para o jogo grande da jornada, na linha da opção tomada pela federação saudita de recorrer a árbitros estrangeiros, com as insígnias da FIFA, para dirigir as partidas da Liga do país.
Mesmo admitindo que o juiz da partida possa ter cometido erros, e erros suficientemente grosseiros, porventura até com eventual influência no resultado, o que Cristiano Ronaldo fez não pode aceitar-se vindo de qualquer que seja o atleta profissional, e muito menos, como parece mais do que evidente, de um dos maiores desportistas mundiais de sempre. É profundamente imaturo, muito irresponsável e abre perigosamente caminho a exemplos que atentam contra a mais básica dignidade do jogo e contra a mais simples ética de comportamento que se exige aos profissionais e a figuras com tamanha responsabilidade pública.
No passado, já se viu o árbitro colombiano Roldán Pérez envolvido em semelhantes situações controversas, muito semelhantes, aliás, às que motivaram agora fortes críticas dos responsáveis do Al Nassr, nomeadamente do treinador português Luís Castro.
Mas ao mais alto nível do desporto profissional, nenhum erro de arbitragem, ou qualquer outro, pode justificar o tipo de acusações e de gestos de Cristiano Ronaldo, feitos à vista de toda a gente e aos olhos de todo o mundo.
Na luxuosa bolha em que vive, talvez lhe seja indiferente o julgamento feito. É pena. A grandeza não vem da arrogância ou da obsessão pelo sucesso. Vem da humildade e do respeito. E Cristiano saberá que o seu lugar na história do desporto não merece ser diminuído.