O Papa Francisco e o desporto
Apaixonado, desde criança, pelo San Lorenzo de Almagro, admite que, nos excessos de juventude, chegou a chamar nomes ao árbitro
JORGE BERGOGLIO, hoje, Papa Francisco, nasceu no bairro residencial de Almagro, Buenos Aires. Desde criança que se habituou a ir com os pais ao futebol ver o clube do seu bairro, o famoso San Lorenzo de Almagro. Claro que se tornou num adepto apaixonado pelo clube e pelo futebol, que também praticou na juventude. Confessa que nos excessos dessa juventude chegou a chamar nomes ao árbitro. O mais grave de que se lembra, «vendido». Mas também «vagabundo» ou «sem vergonha». Jorge Bergoglio tem sobre esses tempos uma memória mais divertida do que arrependida. Por esses anos ele era, apenas, um jovem que vibrava pelo seu clube e queria que ele ganhasse. Porém, já com outras responsabilidades eclesiásticas e universais, o Papa Francisco admitiu sentir uma «enorme alegria» quando o seu clube foi campeão da Argentina. É verdade que um certo setor mais conservador da Igreja não deixa de criticar esta tentação mundana do Papa, mas toda a ala mais liberal e progressista considera, apenas, que essa é apenas mais uma forma de Francisco se relacionar com o mundo, mantendo-se humanizado.
Hoje, por influência deste Papa, o primeiro Papa sul-americano na história da Igreja católica, o Vaticano tem uma comissão permanente que estuda e trata o fenómeno desportivo e, há um ano, realizou uma ampla jornada, em Roma, sob o título Desporto para Todos, que juntou um largo universo de atletas, treinadores, dirigentes, entidades oficiais. Nessas jornadas desportivas, o Papa lembrou ser, o Desporto, «um bem educativo e social» e de ser essencial, nos tempos de hoje, «a uma pedagogia da paz e das relações interpessoais».
Também recentemente num encontro com atletas de alta competição, no Vaticano, o Papa teve uma intervenção marcante, pedindo-lhes «compromisso para ajudarem os jovens a combater uma cultura de descarte, através da responsabilidade educativa e social, lembrando a necessidade de uma prática de Desporto orientada para a educação, para ajudar a resgatar a dignidade». E advertiu: «Caso contrário, corre-se o risco de cair numa máquina de negócio, do lucro, de uma espetacularidade consumista, que produz personagens cuja imagem pode ser explorada.»
Este é, como tem provado nos seus entusiasmantes discursos nesta impressionante Jornada da Juventude, em Lisboa, um Papa com o sentido da realidade e que procura não perder o contacto com as pessoas, ao perder-se numa religiosidade fechada ao público. É, pelo contrário, um Papa que se aproxima pela espiritualidade, mas não se afasta do mundo real, das suas modas, dos seus vícios globais. Daí que o Papa critique o excesso mercantilista do desporto profissional e, em especial, o futebol que esquece princípios elementares do Desporto. Esse futebol, considera o Papa, existe como espelho de uma certa sociedade, mas não deve ser confundido com Desporto. Porque o Desporto, para Francisco, não pode perder as suas características mais decisivas e que se tornam indispensáveis no mundo de hoje. E lembra: «O Desporto tem uma linguagem universal que atravessa fronteiras, raças, religiões, ideologias.» Além disso, o Papa considera o Desporto também fundamental para cada cidadão e justifica a ideia com «a importância do Desporto na formação do corpo e do caráter da pessoa humana».
Francisco é, na verdade, um Papa diferente. Não é consensual, mas, tal como Lisboa tem mostrado, é um Papa admirado além do povo católico. Aos jovens deixa também uma mensagem desportiva: «Que joguem ao ataque, chutem para a frente e não se limitem a ver a vida a partir da bancada.»
DENTRO DA ÁREA
Elogio e crítica na medida certa
A Seleção feminina de futebol regressou da Nova Zelândia. Para trás ficou uma presença marcante de equipa competitivamente adulta e que conseguiu um marco histórico. É, de facto, impressionante a rapidez de crescimento desta Seleção. Logo após a chegada, a comitiva foi recebida - e bem - no Palácio de Belém, onde o Presidente, por excesso de generosidade, se perdeu na tentação do elogio desmedido. Não é bom para a Seleção, nem para as selecionadas. O elogio e a crítica, para terem bom efeito, querem-se na medida certa.
FORA DA ÁREA
O jornalismo de um só tema
Durante uma semana, o país pequeno, periférico e quase anónimo, que é Portugal, reduziu o mundo à visita do Papa. Lá fora, como tudo o que se passa em Portugal é quase invisível, com exceção do 25 de Abril, o universo mediático interessou-se apenas pelas acusações a Trump, pela guerra da Ucrânia, pela ingovernabilidade de Espanha. Cada vez mais o jornalismo tem a sua performance diária num palco monotemático. A perceção da realidade é, assim, manipulada e distorcida. Os cidadãos incautos são traídos.