O mestre vai ao Dragão

OPINIÃO26.05.202107:00

Nona sinfonia de Guardiola na semana em que os quatro portugueses de Manchester lutam pela glória europeia em Gdansk e no Porto

ESTA é a semana das finais europeias, sempre o grande desfecho da época. Hoje temos a final da Liga Europa, em Gdansk (Polónia), entre o Man. United, liderado por Bruno Fernandes, e o Villarreal, de Unai Emery, que ganhou esta competição três vezes seguidas ao serviço do Sevilha (2014, 2015 e 2016). No sábado, no Estádio do Dragão, Man. City (com Rúben Dias, Bernardo e Cancelo, espera-se) e Chelsea decidirão o título europeu numa final inteiramente inglesa, o que acontece pela segunda vez nos últimos três anos - em 2019, Liverpool e Tottenham jogaram a final no Wanda Metropolitano de Madrid. Creio que nenhuma outra liga europeia conseguiria em tão curto espaço de tempo meter quatro equipas numa final de Campeões. A Premier é, de facto, um mundo à parte.
 Quem ganhar as finais sabe que fica na história. Isto vale sobretudo para o Manchester City, ainda em branco na Champions ao fim de mais de mil milhões torrados nesse objetivo, e para o Villarreal, em branco na Europa, já que os outros dois finalistas - Man. United e Chelsea - são colossos de currículo europeu firmado e confirmado. Veja-se: o United luta pelo nono título internacional (e pela segunda Liga Europa depois do triunfo de Mourinho em 2017) e viajou para a Polónia com o mítico Alex Ferguson na comitiva; enquanto o Chelsea tenta o bis na Champions depois de ter ganho por duas vezes tanto a Taça das Taças como a Liga Europa. Ao pé destes dois, City e Villarreal fazem figura de aprendizes; no entanto, qualquer deles tem no banco treinadores (Guardiola e Emery) com currículo muito superior ao dos adversários (Tuchel e Solskjaer).
O United apurou-se para a final de Gdansk ao fim de cinco meias-finais perdidas com Ole Gunnar Solskjaer. Já era tempo. Com Bruno Fernandes sempre ao leme e Edinson Cavani em grande forma, os red devils partem ligeiramente favoritos perante o 7.º classificado da Liga espanhola. Gostava, por Bruno - um jogador extraordinário, tem nove golos europeus (!) repartidos entre Champions e Liga Europa -, que o United levasse a taça, mas suspeito que o astuto Unai Emery vai mais uma vez levar a melhor. Os ingleses têm sempre muitas dificuldades com os espanhóis e creio que o Villarreal, do ponto de vista tático e organizacional, será até superior. Também me parece que a fome de uma primeira conquista europeia por parte dos jogadores do Villarreal será muito, mas muito superior à motivação dos red devils para este jogo - não haverá nenhum jogador do United que não se considere de Champions (estou aqui por engano…) e a Liga Europa, para um clube com o historial deles, não equivale propriamente à conquista do Evereste. A motivação e o foco pesam muito nas finais. Vejo mais fúria do lado dos espanhóis… 


A NONA DE GUARDIOLA? 

No Porto, temos um choque britânico de alta voltagem entre o carrossel altamente sofisticado do City e o association anglo-germânico do Chelsea, uma equipa fisicamente muito potente com jogadores de primeiro plano habituados a este tipo de jogos. Suspeito que os adeptos portugueses querem que o City ganhe por causa de Rúben Dias, Bernardo Silva e João Cancelo e isso é perfeitamente compreensível. Eu acrescento outra razão: Pep Guardiola! O treinador que mais tem contribuído para a melhoria (qualitativa e estética) do futebol no séc. XXI (além das inúmeras conquistas daquele irrepetível Barcelona, lembre-se que também as seleções de Espanha e Alemanha foram campeãs mundiais a jogar o futebol dele). Guardiola é a prova provada que se pode ganhar títulos - muitos, muitos, muitos! - a jogar ao ataque e a respeitar o gosto dos adeptos, sempre mais inclinados a apoiar os audazes, quem faz da ofensiva um modo de estar. O seu futebol, goste-se ou não do rendilhado (por vezes supérfluo, é verdade), é uma ode ao espírito inicial do jogo. Parece uma coisa romântica, mas é resultado de muito treino, muita correção, muita repetição, muita insistência, muito aperfeiçoamento. É, enfim, resultado de muito trabalho, sendo que o futebol de especulação ou de cariz destrutivo é mais fácil de ensinar e pôr em prática…
Quer-me parecer que o êxito permanente de Guardiola no futebol de alta competição é uma espinha aflitivamente encravada na garganta da escola pragmático-resultadista. Já ouvi treinadores considerados da linha defensiva criticarem os excessos estilísticos, digamos assim, de Guardiola - «aquilo chega a ser uma sensaboria, é repetitivo, não há plano b…» - mas já lhe faziam as mesmas críticas no Barcelona. Facto é que Pep, ao fim destes anos todos, continua a ganhar e, muitas vezes, a deslumbrar com verdadeiros recitais de futebol total. Sempre com dinheiro e com grandes plantéis, é um facto, mas sempre no topo com o seu futebol-champanhe inspirado nas ideias de Rinus Michels (onde também se inspirou o homem que haveria de inspirar Pep: Johan Cruyff).
No sábado, no Dragão, Josep Guardiola Sala será como habitualmente a grande estrela do City. Joga a sua nona final internacional, de olhos postos no 32.º título (!) em 12 anos de carreira. Se ganhar ao Chelsea de Thomas Tuchel (o que não vai ser nada fácil, presumo), Guardiola torna-se, aos 50 anos, o treinador com mais títulos internacionais de clube, completando um triplo triplo perfeito: três Champions, três Mundiais de Clubes, três Supertaças Europeias. Em nove finais… 


BENFICA MAIS INCERTO 

TERMINOU a época numa altura em que os mais avisados já têm a próxima (quase) completamente delineada. O campeão, em modo sereno, mantém Rúben Amorim e está no mercado para preencher lacunas e reforçar um plantel curto para as exigências da Champions. Confiança e tranquilidade parecem ideias-chave em Alvalade por estes dias. Quem diria… Alcochete foi há três anos. O FC Porto vive a incerteza da saída (ou não) de Sérgio Conceição, mas não se faça um psicodrama de uma coisa absolutamente normal. Sérgio é muito bom mas, ao fim de quatro anos a fazer milagres com poucos meios, talvez  esteja mais virado para trabalhar numa liga de topo - tem toda a legitimidade (e competência) para querer isso e nenhum portista lhe pode levar a mal. Ademais, o FCP perdeu treinadores como Pedroto, Artur Jorge e Mourinho e, como sabem, sobreviveu. Lembre-se que o apelido de Sérgio é Conceição, não Sebastião.
O Benfica, dos quatro grandes, é o que enfrenta mais incertezas e interrogações. Terminou a época com mais um fiasco, não sabe se vai ter, ou não, os 40 milhões da Champions - com tudo o que isso implica no planeamento da próxima temporada - e Jorge Jesus está cada vez mais longe de suscitar unanimidade. Esta era a altura em que Luís Filipe Vieira fazia finca-pé e dizia. «É com este homem que vou ganhar tudo no próximo ano», mas nem este JJ parece o de 2013, nem Vieira tem essa certeza - essa luz -; e, sobretudo, não tem o capital de crédito e confiança que tinha há oito anos. Antes pelo contrário. Ao fim de tantas incongruências na política desportiva (?) e de tantos casos judiciais e trapalhadas à espera de clarificação, Vieira é cada vez mais um presidente sob suspeita - em todos os sentidos. E o benfiquismo tem-lhe feito sentir isso, mesmo não indo ao estádio.
O SC Braga mantém esse cavalheiro chamado Carlos Carvalhal e trabalha para continuar a fazer bons negócios e encurtar distâncias para a santíssima trindade. No confronto direto, já compete olhos nos olhos com eles: nestas últimas duas épocas ganhou dez dos 19 jogos que fez com FCP, SLB e SCP, e os quatro títulos da era Salvador foram conseguidos em finais com portistas (três) e benfiquistas (um). Mas ainda falta o estofo para aguentar, sem demasiadas oscilações, a maratona do campeonato. Já esteve mais longe…