O impossível fica para uma próxima vez
Da Ala dos Namorados e seu Condestável até aos deuses
Não há equipas grandes sem grandes adeptos, tal como não há exércitos poderosos sem povos fortes. A fortaleza de uns e de outros não se exibe nos momentos fáceis - prova-se nas horas cruciais. A noite de quarta-feira foi uma delas. O público do Dragão apoiou, incentivou, aplaudiu até ao limiar do possível os corações daqueles que na arena nos representavam a todos. Desde o seu Condestável Sérgio Conceição até aos que se exibiram como os melhores cavaleiros da sua Ala dos Namorados: Éder Militão e Jesús Corona.
A todos o meu sentido obrigado. A atitude com que entraram no campo de luta e o modo como jogaram até sofrer o primeiro golo encheu-nos de orgulho. Fizeram tudo o que era possível. O impossível fica para uma próxima vez. Não falemos, portanto, de azares, de arbitragens ou de estatísticas. Claro que o resultado conta. Mas nem só o que é contável conta. Por isso essa noite tem de contar. Para sempre. Porque foi aquela em que, jogando contra a melhor equipa do mundo, os deuses nos viraram costas. E nem assim os nossos se renderam ou resignaram, ousando desafiar tais deuses. Não por raiva ou vingança. Só para lhes dizer que não se deveriam meter em assuntos de bola, cantando Pessoa e Gedeão:
«Deixa a dor nas aras
Como ex-voto aos deuses
Vê de longe a vida
Nunca a interrogues
A resposta está além dos
deuses.»
«Eles não sabem nem sonham
que o sonho comanda a vida
e que sempre que o homem sonha
o mundo pula e avança
como bola colorida
entre as mãos duma criança.»
Petit, o Grande
A UEFA puniu o mexicano Jesús Corona por considerar - e muito bem! - que o jogador do FC Porto provocou um cartão amarelo na partida com o Schalke 04, com o objetivo de cumprir castigo no jogo seguinte, com o Galatasaray, já sem influência no apuramento dos dragões, deste modo limpando o cadastro para a fase a eliminar. Foi agora público que o Conselho de Disciplina da FPF terá instaurado um processo disciplinar ao técnico e a dois jogadores do Marítimo. Porquê? Citemos ipsis verbis o magnífico Petit: «Vamos apanhar uma equipa difícil, o Benfica, (…) e por isso optámos por esses jogadores (Edgar Costa e Joel) levarem o quinto amarelo e estarem disponíveis para os quatro jogos finais.» Ou seja, segundo o calendário oficial faltam disputar cinco jornadas, mas como, de acordo com a lógica petitiana, o Benfica é «uma equipa difícil», não há que fazer contas à custa desta. Logo, nada melhor do que, em coerência, tornar as coisas mais fáceis. É claro que nada impede o magno Petit de, simplesmente, nem sequer convocar tais jogadores já amarelados, ou quaisquer outros. Mas o grande Petit fez questão de não deixar dúvidas quanto à argúcia da sua subtil dialética de largo espectro e do quanto confia nos seus jogadores para, pelo menos, tentar fazer frente àquela «equipa difícil».
Tanto mais que, como ontem li neste jornal, «A BOLA sabe que daí não vai resultar qualquer suspensão, apenas uma multa». Agora só falta quem se permita alvitrar ao enorme Petit que há uma alternativa ainda melhor: a falta de comparência no desafio com aquela «equipa difícil». Trata-se de solução limpa, ademais dotada de cinco excelentes e incontestáveis vantagens: i) garantia absoluta de que nenhum jogador das duas formações verá um cartão amarelo, ou até vermelho; ii) previne-se o risco de algum atleta se lesionar; iii) como se usa dizer que o futebol é uma caixinha de surpresas, assegura-se que esta ficará por abrir, não fosse o diabo tecê-las e suceder mesmo algo de surpreendente àquela «equipa difícil»; iv) o seu plantel beneficiaria de uma semana adicional de descanso para os quatro jogos finais, os tais únicos que contam; v) o clube poupava os custos inerentes a uma viagem ao continente.