O grito

O grito

OPINIÃO12.04.202306:35

Seria injusto para Conceição reduzir o ascendente sobre o Benfica a truques motivacionais. É um estratega de topo, ponto final

REZAM as crónicas que Di Stéfano dizia para o capitão adversário, no momento da escolha do campo: «É bom que vocês tenham outra bola, porque esta será para nós.» O futebol está cheio de formas de intimidação, como se quem tiver a melhor estratégia começa a ganhar por 1-0. Tem sido assim nos jogos entre Benfica e FC Porto no novo Estádio da Luz, cujo saldo é altamente  favorável para os dragões, com nove vitórias contra apenas quatro da equipa da casa e tendo os dragões já festejado dois títulos em pleno relvado dos encarnados, o zénite da rivalidade.

É um histórico e uma tendência que começa a ter uma força superior à soma das individualidades, porém seria injusto para Sérgio Conceição reduzir este ascendente a meros truques motivacionais ou à agressividade com que a equipa inicia os jogos. Tudo isso cai por terra se não houver organização.

Recordando a famosa conferência de imprensa quando foi apresentado no Dragão, no já longínquo ano de 2017, «isto de se ganhar ao grito já não existe». O que pudemos todos assistir no último clássico foi a mais uma demonstração do enorme estratega em que o treinador dos azuis e brancos se transformou, característica que só não se sobrepõe esmagadoramente a todas as outras porque, por culpa própria, desvia as atenções para outros gritos, esses sim que nenhuma falta fazem ao futebol.

Só graças a uma notável interpretação tática é possível ter um central de 40 anos como Pepe e outro de 35 como Marcano atuarem numa defesa subida e os produtos acabados Pepê e Otávio são duas obras de autor, daquelas que podem não enriquecer o currículo mas devem encher de orgulho um treinador que os acolheu, ensinou e transformou em futebolistas de elite.

A bem do futebol, é positivo que clássicos como os de sexta-feira terminem assim, porque abre o campo para a clarividência e para perceber, por exemplo, as carências do Benfica de Roger Schmidt que, de tão avassalador em tantos jogos, parece querer tocar o céu. O mérito do FC Porto de Sérgio Conceição foi esse, o de jogar sempre com os pés no chão, sabendo tudo do adversário (os terrenos de Rafa, os movimentos de João Mário), exibindo fragilidades que o SC Braga já havia explorado e expondo erros de monta de produtos inacabados como  António Silva, que de tanta confiança com apenas 19 anos ainda é capaz de dar ao adversário a parte de dentro e não a de fora numa bola em zona central, como aquela em que Galeno fez um golo anulado por seis centímetros de fora de jogo. Mas foi o mesmo António Silva e Gonçalo Ramos aqueles que, do ponto de vista da atitude, maior frustração demonstraram pelo resultado, como estivessem ali a enviar uma mensagem: esta nova geração parece ser mais inconformada. Mas ainda não chega.