O expoente máximo do Benfica
Benfica, Roger Schmidt

O expoente máximo do Benfica

OPINIÃO04.04.202306:35

Dizer o que se faz e fazer o que se diz são muitas vezes dimensões distantes entre si, mas não hoje. Poucas vezes o Benfica fez tanto sentido

UFA! A pausa para a seleção, essa técnica de tortura que tem massacrado os benfiquistas desde o início da época, não parece ter feito grande dano. Mais uma visita difícil, mais uma vitória frente a um adversário muito competente e bem organizado. É verdade que o futebol praticado nem sempre deslumbrou, mas ainda deu para ver o melhor Chiquinho da época. Além disso, há um processo em que todos confiamos. A equipa nunca parece perder o controlo dos acontecimentos. Socorro-me daquela que é provavelmente a melhor entrevista alguma vez dada por um treinador a trabalhar em Portugal, dada ao jornal alemão Der Spiegel. Roger Schmidt explica: «O objetivo é que a maior parcela possível dos 90 minutos seja o nosso jogo e que joguemos como nós queremos.» Tão simples. É assim com quem sabe da poda. As explicações de problemas complexos tornam-se claras como água. A maioria de nós não percebe grande coisa de futebol, percebe de ser adepto. Mas qualquer um de nós compreende o que Schmidt diz e constata que o Benfica tem sido exatamente assim. Dizer o que se faz e fazer o que se diz são muitas vezes dimensões distantes entre si, mas não hoje. Poucas vezes o Benfica fez tanto sentido.
 

Étudo muito bonito, mas mentiria se dissesse que não tenho sofrido um pouco. Sim, a ansiedade dos jogos da Liga portuguesa abate-se sobre todos nós, como humanos que somos, mas não é desse sofrimento que falo. Uma grande parte de mim sente que os dias passam demasiado devagar e que tudo isto que vamos vivendo é um enorme intervalo entre a segunda mão em Brugge e a primeira mão em casa, contra o Inter. Este misto de ‘nunca mais chega o dia’ e ‘Deus e Roger queiram que corra tudo bem’ persegue-me desde o dia em que foi anunciado o nosso adversário dos quartos de final e os possíveis adversários de uma eventual meia-final. Não é fácil assegurar as diferentes responsabilidades da vida - família, trabalho, etc - ao longo de intermináveis semanas, tudo isto enquanto se olha para o relógio à espera que um jogo marcado para 11 de abril comece de uma vez por todas.
 

M ESMO quando tudo corre bem, duvidamos. Há sempre aquela pontinha de pessimismo e desconfiança em relação a qualquer mexida, por muito lógica que seja. Aqui chegados, só queremos que nada mude até à meta. Mas nada seria mais lógico nesta fase do que premiar a equipa técnica e, muito em especial, o alemão que conquistou os nossos corações quando muitos já não acreditavam no amor. A renovação do contrato de Roger Schmidt até 2026 é a segunda decisão mais acertada que Rui Costa tomou enquanto presidente do Benfica. A decisão mais acertada foi o primeiro contrato assinado com Roger Schmidt, como é evidente. Não faço ideia se o treinador do Benfica vai ficar cá até 2026 e parece-me difícil que assim seja, mas sei o que esperar dele enquanto cá estiver. Regresso à entrevista dada ao Der Spiegel, cuja transcrição encontrei no website do Benfica. Uma pesquisa rápida diz-me que a palavra «alegria» foi usada 4 vezes durante a conversa. É o tipo de palavra que nem sempre integra o vocabulário de presidentes e treinadores, por parecer talvez ligeira, menor, longe da estética da competição. Mas é dessa alegria que precisamos. Schmidt explica mais uma vez: precisamos da alegria de todos no clube, da alegria dos adeptos, precisamos de assumir a responsabilidade de dar alegrias, e, por último, precisamos de perseguir aquela que Roger Schmidt diz ser a maior alegria do jogo: chegar aos títulos de uma forma em que ele possa dizer «gosto deste futebol».
 

«A renovação com Schmidt», escreve Vasco Mendonça, «é a segunda decisão mais acertada de Rui Costa como presidente do Benfica»

N ÃO me parece ser um acaso que, no espaço de poucos dias, Frederico Varandas e Sérgio Conceição tenham elogiado o trajeto do Benfica e, cada um à sua maneira, admitido a justiça da classificação à data de hoje. Essa admissão deve-se essencialmente ao momento desportivo do Benfica, mas parece-me importante enquadrar a análise. É relativamente fácil, de bom senso, aceitar que este Benfica tem sido melhor do que os seus rivais, mas é também saudável para o futebol português que, por cada voz gasta que fala em inimigos, muitas outras se cheguem à frente para falar em justos vencedores e vencidos. A história ensina-nos que há adversários que apetece mais odiar nuns momentos do que em outros. Os adversários do Benfica saberão reconhecer hoje em Schmidt e no presidente Rui Costa dois tipos de liderança - complementares - que trazem ao nosso futebol uma forma de estar recomendável a todos os protagonistas, quando ganham e quando perdem. Pronunciam-se em doses adequadas e nos momentos certos e deixam que outros brilhem no lugar deles. Ontem pouco ouvimos do treinador e nada do presidente. Não era preciso dizer muita coisa. Ficou tudo dito quando Gonçalo Ramos e o resto da equipa correram na direção dos benfiquistas na bancada para uma celebração apaixonada que foi tudo o que devia ser. Quanto ao resto da conversa e a análises supérfluas sobre penaltis por marcar, é deixar que o trabalho fale por nós. Os outros acabarão a falar sozinhos.
 

I STO que acabo de descrever ganha-se e perde-se num instante. Abril mal começou e cumpre manter tudo exatamente como está, com igual ou maior vantagem pontual, até sermos matematicamente campeões. Parece um aviso paternalista a adeptos demasiado confiantes, mas não é nada disso. Sou eu a falar comigo mesmo, a tentar tirar alguma pressão da minha própria expectativa, atualmente situada na estratosfera. Felizmente há gente mais sensata a trabalhar com os pés bem assentes na terra, pronta para continuar a ganhar pelos sonhadores como eu. Venha quem vier, seja onde for. Na próxima sexta será em casa frente ao Futebol Clube do Porto e Roger Schmidt explica, como tão bem sabe, o que devemos esperar: «Não sou um treinador que pensa que o adversário joga de determinada forma, e que a partir daí vou passar a semana a definir como vamos jogar. Para mim, é 100% claro como vamos jogar. Vejo como o adversário joga, dou algumas informações aos jogadores, mas nós jogamos à Benfica e jogamos para vencer.»

Mais do mesmo, portanto. Perfeito.