Ó capitão, meu capitão, o navio resistiu a mais um obstáculo

OPINIÃO11.02.202106:05

Jogo a jogo, dificuldade a dificuldade, com mais ou menos sorte, mais ou menos estrela, o Sporting avança. Mas há que não esquecer os enormes adversários que tem

DEPOIS do assassínio de Abraham Lincoln, presidente dos EUA que tinha vencido a guerra civil que se seguiu à abolição da escravatura, que fora ele a decretar, o maior poeta da américa, Walt Whitman (para muitos especialistas, uma das grandes inspirações de Pessoa) escreveu o poema O captain, my captain.
Nas linhas magníficas daquela poesia (que, aliás é mote do célebre filme O Clube dos Poetas Mortos, com Robin Williams), o autor refere-se ao capitão (que representa Lincoln), a uma terrível viagem já terminada (a guerra civil), e à capacidade do navio (os EUA) de resistir aos escolhos de forma a merecer o prémio (a libertação dos escravos).
O futebol já permitiu muitas alegorias. Nelson Rodrigues, o genial escritor e jornalista brasileiro, era aliás um dos especialistas nessa arte. Por cá, outro jornalista desportivo brilhante - Tavares da Silva - imaginou o ataque do Sporting constituído por Jesus Correia, Vasques, Peyroteo, Travassos e Albano, que jogaram juntos no final dos anos 40, como Cinco Violinos, de tal modo a harmonia, beleza e eficácia entre eles revelada.
Vários poetas, por todo o mundo (em Portugal o mais conhecido será Manuel Alegre) dedicaram poemas ao futebol e a futebolistas. Como disse o já citado Nelson Rodrigues, o futebol pode ser comparado a uma arte, e Pelé poder-se-ia considerar um colega de Miguel Ângelo, de Homero ou de Dante.
Assim, sem qualquer problema, dedico estas linhas ao nosso capitão, Sebastián Coates, e o poema de Withman, O captain, my captain, que me veio à cabeça quando ele, com cabeça, fez o golo da vitória, já inesperada, do Sporting frente ao Gil Vicente, na noite de anteontem. É um poema que também fala de uma morte estúpida, como a de um amigo que Coates chorava. Ele que, apesar da dor causada pela prematura partida do seu amigo, como irmão, Morro García, também futebolista, mostrou um profissionalismo, um querer e uma dedicação insuperáveis, além do exemplo que os capitães devem sempre dar, alegrando-nos e comovendo-nos.
Capitão Seba, o facto de já teres todo o nosso respeito e admiração não nos impede de os repetir à exaustão. E numa conjunção improvável enviamos-te, em simultâneo, os pêsames e os parabéns.


A estrelinha
 

Ócapitão, meu capitão, ao que andam por aí a dizer da estrelinha do Sporting não ligues muito, e diz aos teus colegas de balneário para não ligarem. Nunca ouvi falar de campeões sem estrelinha, mas nunca vi uma estrelinha dar a vitória a ninguém. O que a dá está escrito quando entras no Estádio de Alvalade: esforço, dedicação, devoção e glória - eis o Sporting! As três primeiras palavras são a condição da glória e essa é a marca do teu, e nosso, clube.
Ganhar nos descontos ou nos últimos minutos é ganhar. Dizia Nelson Rodrigues que (e cito) «para um time ser campeão não basta ter uma defesa intransponível, um meio de campo genial e um ataque assassino: é preciso ter sorte!». O velho Nelson, que nos deixou há mais de 40 anos (quando só tinha 68 de idade), sabia bem do que falava. Ninguém descreveu o futebol como ele, porque ninguém escreveu como ele o que era o futebol. E aposto como todos os que escrevem sobre o assunto desejariam ter a sua mão - não falo em talento, porque isso é coisa subjetiva -, mas a mão com que deambulava pelo texto, como um bom jogador sabe deambular pelo campo.
A estrelinha de Amorim é feita de muitas coisas, a maioria delas poderiam outros treinadores aprender com ele. A primeira é ter os pés na terra. Ele sabe o que o espera - como disse, bastam duas derrotas para poder sair num jornal Sporting sonda Abel; a segunda, e talvez a mais importante, é feita de humildade (quantos treinadores, no fim de um jogo, reconhecem que o adversário jogou melhor em certos períodos, como ele reconheceu que o Gil, na primeira parte do jogo, foi superior ao Sporting?); a terceira é feita de prudência - ele, tendo custado os olhos da cara e mais do que isso ao Sporting, sendo o mais caro treinador, quando ainda nem o curso completo tinha, não veio para esmagar, para arrasar, para dar cabo dos adversários. Veio para que a sua equipa sinta alegria a jogar e tenha raça e atitude em campo. Há dias dizia-me um amigo benfiquista: na cara dos jogadores portistas vê-se raça e querer; na cara dos sportinguistas, alegria e determinação; infelizmente, na dos benfiquistas parece predominar um certo desinteresse. Não sei se a análise é totalmente correta, mas creio que, pelo menos no que diz respeito aos jogadores do Sporting, ela é adequada.
É essa a estrela que se vê. A mesma que está na cara das estrelas do cinema e do teatro que amam a sua profissão; e na dos poetas que se sentem realizados no final de um poema; na dos pintores que acabam uma obra que os satisfaz; na de todos os artistas, e também na daqueles profissionais que amam a profissão e na das crianças que recebem o seu presente favorito. A estrelinha não é a da sorte (essas existem no Euromilhões); é a da atitude e da entrega.
A estrelinha não é tua, capitão, nem de Rúben, nem de Frederico Varandas. A estrelinha é mesmo de todos os que compõem a equipa de futebol e também de todos os que são do Sporting, que perante estas alegrias não pode esquecer as outras, que nos são dadas nas modalidades.
 

Coates foi o herói improvável em Barcelos


Pés na terra
 

ANDAMOS, e bem, muito entretidos com os feitos do nosso futebol; na verdade, são esses feitos que marcam os clubes. Onde está a contestação a Varandas? Agora já só se ouve quando o Sporting perde numa final de basquetebol contra o Porto. Valha-me Deus, que há quem não desista… infelizmente de causas sem nexo.
Mas eu, pessoalmente, não representando nem grupo nem ninguém, salvo um velho sócio da agremiação que por três meses a serviu, ainda tenho umas reivindicações. E espero que percebam que a minha consciência não depende de bolas que entram na baliza - nem na dos outros, nem da nossa.
Precisamos mudar os estatutos, ainda não me esqueci. Precisamos de ter AGs com segurança e com os sócios identificados e não uma espécie de tribos que ameaçam quem lá vai. É nos momentos de paz, como é este que se vive, que devemos preparar a sua consolidação. O Sporting não vai ganhar sempre e, ainda que ganhe este campeonato, não vai ganhar todos os campeonatos (e persisto em dizer que a Liga não faz parte dos planos originais para esta época, e que bem fazem Rúben e Varandas em recordar os poderes que tem quem nos quer estragar a festa). As feridas latentes reabrir-se-ão nesse momento e se nada for feito, se não forem saradas através de intervenções bem feitas, serão de novo dolorosas. Precisamos que o clube tenha paz, e tenha democracia a sério. Precisamos que haja escrutínio dos atos dos dirigentes; precisamos de independência dos órgãos de fiscalização. Há muito a fazer enquanto aplaudimos a equipa. E aplaudir a equipa não me impede de criticar procedimentos internos que não me parecem justos. Digo-o com a mesma frontalidade que já assumi ter-me enganado quando critiquei a contratação de Rúben (acho-a , hoje, como também já escrevi, a melhor deste século).
Precisamos de ser exemplares, para que a nossa crítica justa à falta de exemplaridade de parte, pelo menos, da justiça desportiva, seja ouvida com respeito. Não podemos ter em casa o que criticamos no mundo. E se eu entendo que é injusto o que o CD tem andado a fazer com o processo de Palhinha; e se acho inexplicável que o presidente seja multado e suspenso 45 dias por declarações (delito de opinião, ele não ofendeu ninguém no final do jogo com o Porto), é preciso que possa dizer que na minha, na nossa casa, esse tipo de delitos e esse tipo de atitudes não existem. E, por favor, escusam de me enviar comentários a acusar-me de saudosista de Bruno de Carvalho: presidi à Comissão de Fiscalização que propôs a sua expulsão e voltaria a fazê-lo com o mesmo sentido do dever cumprido.
 

Violinos

Só em 1946/1947 o Sporting tinha melhor registo à 18ª jornada do que tem hoje. Jogavam os Cinco Violinos e o treinador era Robert Kelly, estatisticamente o melhor treinador do Sporting, que fabricou uma equipa com o supervisor técnico Cândido de Oliveira, um dos fundadores deste jornal.
 

Taça

Tenho a ideia de que o Estoril, a única equipa que sobra da Liga 2 na Taça de Portugal, está lá em vez do Sporting. Pelo menos impede-se que as meias-finais, de que foi ontem a primeira mão, sejam entre os suspeitos do costume.