Notas sobre um ano de mandato
Hoje, não sentimos em nenhum algum que o presidente do Benfica tenha desprezo pelos adeptos. É uma mudança muito grande
POUCOS dias após Rui Costa ter sido eleito em outubro de 2021, escrevi nestas páginas que se tratava de um momento importante que pedia aos benfiquistas algum sentido de união ou, no mínimo, alguma compreensão face ao resultado categórico que o atual líder do clube teve no primeiro ato eleitoral em que se apresentou como candidato à presidência. Reconheci que, mesmo tendo divergências face à equipa apresentada por Rui Costa e muitas dúvidas sobre a real mudança que poderiam representar, a vontade expressa pelos benfiquistas teria necessariamente de levar a melhor. Ou seja, mesmo que o meu entendimento do clube, ou o de outros adeptos, possa sugerir a ideia de que existe um Benfica de cada um de nós, resultante da nossa vivência, ambição ou visão ideológica, há necessariamente um Benfica maior, designadamente aquele que resultou da eleição mais participada de sempre no clube.
Ao longo do primeiro ano de mandato, tive oportunidade de expor algumas dúvidas e reservas em relação à sua liderança, e assisti a vários momentos de Rui Costa que me pareceram merecedores de crítica. Expliquei que o presidente não me parecia ainda ser de facto capaz de vestir a pele do presidente, não exatamente como o clube e os adeptos pediam, e talvez não como o contexto do nosso futebol exigia. Dirão alguns adeptos mais azedos que eu queria era poleiro, ou que quero o insucesso do clube. Por incrível que pareça, o que aqui fui escrevendo teve sempre, como intuito principal, uma só vontade: a de que as coisas corressem bem a Rui Costa, porque isso geralmente significa que as coisas estão a correr bem ao Benfica.
«Vejo Rui Costa entusiasmado com este novo capítulo na sua vida, e vejo os benfiquistas entusiasmados com ele», escreve Vasco Mendonça
Esta vontade de que as coisas corram bem a Rui Costa não é reviravolta de opinião, não tem que negar a realidade e muito menos toldar a visão sobre alguns temas importantes, mas, aqui chegado, o balanço do primeiro ano de mandato de Rui Costa deve ser justo. E é por isso importante dizer que o atual presidente do Benfica melhorou significativamente em aspetos fundamentais daquilo que é, acredito que para muitos, ser presidente do Benfica. Tem estado muito mais presente no dia a dia desportivo do clube, o dos atletas e também dos adeptos. Após uma época desastrosa, soube mudar e colocou em prática uma ideia de projeto desportivo que os adeptos compreendem e que, sem ignorar a realidade financeira, também não entregou a construção do plantel ao empresariado futebolístico.
Não aparentando ser uma pessoa com apetite pelos holofotes, tem procurado aproveitar alguns momentos para comunicar de forma mais desempoeirada. Fê-lo em entrevistas que deu e fê-lo nas assembleias gerais do clube, onde a audiência é bastante mais pequena mas exigente, sendo não raras vezes bastante dura. Podemos dizer que as respostas nem sempre foram as mais esclarecedoras ou as que os sócios desejavam, mas não podemos dizer que Rui Costa se tenha escondido dos benfiquistas ao longo deste último ano. Ao personificar essa diferença, o presidente do Benfica consegue objetivar a vontade de combater um défice de honestidade e transparência que há muito se sentia na anterior liderança. Mais importante ainda: hoje, não sentimos em nenhum momento que o presidente do Benfica tenha desprezo pelos adeptos. Parece estranho dizer isto como se fosse uma conquista assinalável, mas é de facto uma mudança, essa sim, muito grande.
Não se pode responsabilizar um dirigente desportivo quando tudo corre mal e rejeitar qualquer mérito seu quando as coisas correm bem. Digo isto sabendo que já fiz exatamente isso no calor de várias discussões, geralmente mais com o coração do que com a razão, e depois de um mau resultado do Benfica. Mas permitam-me acrescentar um ponto ao conto: se é verdade que muita da valorização positiva de Rui Costa decorre do que se tem visto dentro de campo, o próprio Rui Costa não tem caído na tentação de transformar isto numa história sobre si mesmo. E não me parece mero acaso que Rui Costa tenha feito questão de elogiar os que trabalham consigo e que, nas palavras do presidente, ajudaram a criar as condições para este arranque muito positivo da época desportiva. Aqui reside outra diferença que me parece notabilizar a atual liderança.
O Benfica viveu largos anos refém de um modelo presidencialista, com um semi-deus que acabou o seu reinado a detestar a plebe, e talvez tenha ainda vícios herdados desse tempo. Mas o tempo das luzinhas e da fé inabalável na intuição do self-made man parece hoje uma realidade cada vez mais distante do dia a dia do clube. Saber que ninguém consegue fazer tudo sozinho, não liderar partindo desse pressuposto, seja porque se preconiza a pluralidade para informar a tomada de decisão, seja porque se reconhece competência em mais do que um local, seja porque se acredita que um processo de trabalho deve envolver diferentes áreas de competência, seja simplesmente porque se reconhece a limitação e por isso se procura ajuda, seja lá qual for o motivo dos que aqui elenco, nenhum deles será ilustrativo de má liderança.
Se está tudo bem? Não se pode dizer exatamente isso. A revisão de estatutos está atrasada e é um tema importante com implicações potencialmente profundas na vida do clube. A auditoria demora muito mais do que seria desejável. Mais do que salientar os atrasos, deve dizer-se que questões como estas não devem ser esclarecidas apenas quando alguém aborda o tema numa assembleia geral. A direção só terá a ganhar em atualizar os sócios sem que estes perguntem primeiro. Por outro lado, a centralização dos direitos televisivos acentua a encruzilhada em que os clubes portugueses se encontram e ameaça prejudicar o Benfica, que até aqui tem sido pouco vocal. Importa saber até onde estamos dispostos a ir para defender o clube. E será também favorável que o clube aproveite o embalo desportivo para se capacitar cada vez mais na sua dimensão profissional. Há oportunidades enormes para capitalizar.
Feitas as críticas, o balanço sincero. Terminado o primeiro ano de mandato, o balanço é positivo. Hoje, sente-se bastante mais Benfica no Benfica. As vitórias ajudam? Certo, mas para isso é preciso ganhar mais vezes, e ganhar mais vezes, muitas vezes, dá muito trabalho. E trabalho é o que temos visto. Recordo-me de pensar algumas vezes no último ano que Rui Costa parecia intimidado pelo cargo de presidente, como se a sua vocação eterna fosse o relvado e isto dos gabinetes não fosse para ele. Hoje, vejo um Rui Costa entusiasmado com este novo capítulo na sua vida, e vejo os benfiquistas entusiasmados com ele. Parece-me por isso razoável que todos continuemos a desejar que as coisas lhe corram bem. Só temos a ganhar com isso.