Negócios das arábias

OPINIÃO27.08.202306:30

O principal beneficiário dos milhões sauditas será a FIFA: prevê aumentar volume de vendas em cada 4 anos, de 7 mil milhões para 10 mil milhões

A Arábia Saudita tornou-se, neste defeso, o epicentro do futebol mundial. Já o tinha sido há cerca de nove meses quando Cristiano Ronaldo chegou ao Al Nassr, para dois anos e meio de contrato e 500 milhões no bolso do nosso capitão. Agora, outros jogadores importantes deixaram a Europa e rumaram ao país árabe: Neymar, Benzema, Mahrez, Firmino, Fabinho, Kanté, Otávio, Mané, Rúben Neves, entre outros. 

Não conseguiram Lionel Messi, mas mesmo sem jogar na liga saudita, o astro argentino celebrou um contrato de três anos para divulgar o país nas suas redes sociais: receberá 22 milhões de euros. Ou seja, os milhões do petróleo saudita não têm fim. Repare, caro leitor, os últimos dados mostram que só em dezembro de 2022 a Arábia Saudita exportou petróleo no valor de 22 mil milhões de dólares! 

No passado já vimos este filme, mas no Golfe: o Fundo Soberano Saudita tentou entrar no prestigioso circuito PGA. Não conseguiu. Fundou uma liga rival, onde investiu milhões contratando grandes jogadores. No final aconteceu um e viveram felizes para sempre: a liga dos sauditas fundiu-se com o PGA Tour e agora é o Fundo Soberano da Arábia Saudita quem dá as cartas nesse desporto. Poderá o mesmo acontecer no Futebol? 

Segundo o Finantial Times, prestigiada publicação económica inglesa, o principal beneficiário dos milhões sauditas será a FIFA, que prevê aumentar o seu volume de vendas em cada quatro anos, de sete mil milhões para dez mil milhões. Muito porque o Fundo Soberano Saudita tem, na sua política oficial, o desenvolvimento do desporto como alicerce para ganhos políticos, diplomáticos, e de transformação do país aos olhos da comunidade internacional. Perante tamanho poderio financeiro, como pode a Europa e os clubes europeus, potencias no futebol mundial, combater a inesgotável reserva de ouro negro? Começam a surgir ideias: Aurelio de Laurentis, presidente do Nápoles, campeão de Itália, teve a primeira. Aquando da renovação de Victor Osinhem, avançado e estrela da equipa, o responsável italiano insistiu em adicionar no contrato do jogador uma cláusula antiarábia. A ideia é simples: 150 milhões de euros se for contratado por um clube europeu. Quase o dobro se o destino for um clube da Arábia Saudita. É possível? 

Esta cláusula parece siamesa da denominada antirrival. Só que aqui o rival é um país inteiro e com fundos inesgotáveis. Neste defeso aconteceu a um clube português algo que vale a pena relembrar: até 15 de julho quem quisesse contratar Otávio, médio do FC do Porto, teria de pagar 40 milhões de euros. A partir dessa data a clausula inscrita passava para €60 milhões. Inter de Milão, Nápoles e Al Nassr mostraram interesse, mas não avançaram antes de dia 15. Mas 30 dias depois, o clube saudita chegou ao Porto, viu e pagou. Foi uma cláusula antiarábia à Pinto da Costa? Uma demonstração de poder dos sauditas - para mostrarem que pagam o que querem quando querem - ou simplesmente má gestão desportiva e financeira árabe? 
 
A Lei do Contrato de Trabalho Desportivo prevê, no seu artigo 19, que «são nulas as cláusulas inseridas em contrato de trabalho desportivo visando condicionar ou limitar a liberdade de trabalho do praticante desportivo após o termo do seu vínculo contratual». O mesmo diz o Acordo Coletivo de Trabalho entre a Liga Portugal e o Sindicato dos Jogadores.
 
Porém, se for durante o contrato, não parece que seja contra a lei, fazer uma cláusula de rescisão mais elevada para determinados países. Se ela funciona na prática já é outra questão, até porque há muitas maneiras de convencer clubes e jogadores, com propostas onde estão inscritos números que mudam a vida de qualquer pessoa.
 
Cruyff dizia que «nunca tinha visto um saco de dinheiro marcar golos». Mas aqui não são sacos, são barris, e barris significam jogadores de qualidade, logo mais propensos a marcar golos. E sobre marcar golos, ou sobre golos que mudariam a história, mas que acabaram por não acontecer devido ao poste de uma malfadada baliza neozelandesa, o direito ao golo vai para as nossas navegadoras que fizeram um belíssimo mundial de futebol. Não há nada que pague tamanho brilho!