Não se pode gritar arranco-te a cabeça
De acordo com todos os jornais, e sem que fosse desmentido pelo próprio ou pelo Sporting, Frederico Varandas, em plena tribuna do estádio de Setúbal, disse a um dirigente sadino: «Se me tocas arranco-te a cabeça.» A frase terá vindo na sequência de uma série de provocações e insultos (em que adeptos e mesmo dirigentes setubalenses se juntaram aos costumeiros desestabilizadores do Sporting), durante um jogo que foi precedido de um inusitado dramatismo devido a um vírus que atacou os jogadores do Vitória e à recusa do Sporting em aceitar datas alternativas para o jogo.
Mas cada coisa no seu lugar. Admito (e seria quase impossível não ser assim) que Varandas esteja absolutamente farto de ser insultado; sei de outros presidentes, como Luís Filipe Vieira, que em plena Assembleia Geral do seu clube apertou o pescoço a um sócio; conheço os feitos de outros dirigentes. Porém, o Sporting é o clube que se quer demarcar desse estilo. Por isso mesmo, de Varandas, o presidente que foi falar (dois dias antes dos acontecimentos) com o Governo alertando para a violência no desporto, aquele que começou a pôr ordem (e em ordem) as claques, esperava-se diferente.
É óbvio que a ameaça de arrancar a cabeça não é literal; e além de tudo isto, é certo que o presidente pode ter várias atenuantes. Mas não tem desculpa. Nem de cabeça perdida se diz algo assim a outra pessoa. Revela um estado de nervos, de stresse, do que quiserem que aconselha a uma reflexão grande por parte do próprio, daqueles que lhe são próximos e dos que se interessam pelo clube. Há linhas que não se podem ultrapassar, nem nos momentos mais complicados da vida. Um homem que andou, como médico militar, em cenários de guerra tem de o saber.
Claro que os antecedentes da gripe setubalense têm muito que se lhe diga. O Sporting ficou mal visto pela recusa em adiar o jogo. Mas não soube explorar comunicacionalmente as debilidades do adversário. Desde logo a recusa em que os jogadores sadinos fossem avaliados por médicos independentes nomeados pela Liga; depois pela explicação cabal sobre o complexo calendário do Sporting nas próximas semanas: Benfica amanhã; Braga na terça; final da Taça da Liga (com Porto ou Guimarães) caso vença o Braga, no sábado; jogo programado para domingo com o Marítimo, da Liga, a ser recalendarizado caso jogue a final no sábado. Já em fevereiro, dia 2, jogo de novo com o Braga, agora para a Liga… é difícil. Em fevereiro tem, além do campeonato, mais dois jogos da Liga Europa. Mas seria possível ao Sporting explicar isto, ainda com mais pormenor, para não se ver apenas má vontade ou desprezo pelo Setúbal. Ora, a falta de empatia a tratar do problema, a somar com a resposta inusitada de Varandas às provocações, fazem abalar a postura sportinguista, que se quer sempre melhor, com mais fair play e saber estar do que a dos outros.
Pequenos pormenores
Odefesa-central do Sporting Sebastián Coates levou um cartão amarelo no jogo com o Setúbal por algo que ninguém percebeu. O central do Benfica Rúben Dias não foi expulso no jogo com o Rio Ave por algo que ninguém percebeu. O interessante de tudo isto é que Sporting e Benfica encontram-se amanhã e, de acordo com critérios de arbitragem que nunca mais se definem, o Sporting arrisca-se a jogar sem um central e o Benfica a jogar com um que não devia lá estar.
A questão do VAR tem vindo a ser discutida, com bastante interesse, do meu ponto de vista, sobretudo no que diz respeito aos milímetros de fora de jogo assinalados aqui e ali. Na Inglaterra, várias personalidades já afirmaram que com tal precisão o futebol perde uma fatia importante da sua emoção e do seu interesse. Alguns defendem que «não há mas, nem meio mas», ou se está fora de jogo ou não, nem que seja por um milímetro; outros acham que deve haver uma margem aceitável para que o fora de jogo não seja considerado. Curiosamente, é raro ouvir uma discussão mais simples: por que razão, perante flagrantes injustiças, o VAR não pode intervir? Por que razão só intervém se for cartão vermelho, mas se for o segundo amarelo (que resulta em expulsão) não pode intervir? Tudo isto é assaz estranho. Por que não podemos ouvir, no campo e na televisão, as comunicações entre o VAR e os árbitros de campo?
Parecem pequenos pormenores, mas não são. E, se cada adepto corre o risco de achar sempre que é mais prejudicado do que os outros, confesso que mesmo utilizando todo o treino de distanciamento que a profissão me impôs, vejo o Benfica e o Porto a ter vantagem. Como ontem nestas páginas escreveu Gonçalo Guimarães, que cito: «Em Portugal os lances cinzentos não são pretos ou brancos, são vermelhos ou azuis. É à vez. Tenham vergonha». Subscrevo e penso que está tudo dito.
Adeus Bruno
Segundo tudo indica, Bruno Fernandes vai deixar o Sporting. Há um misto de alegria pelo que imagino possa ser o salto na sua carreira e de tristeza por nos deixar. Mas compreendo-o e compreendo o Sporting. Tem de ser. O melhor jogador da nossa Liga e um dos melhores médios da Europa necessita de um espaço de afirmação maior e não de uma equipa que, quando não sabe o que há de fazer-lhe passa a bola na esperança de que ele seja ainda mais mágico do que já é.
Por seu lado o Sporting precisa do encaixe financeiro que esta venda permite.
Defendi que as negociações, na janela de transferências do Verão, foram mal conduzidas. Teria sido bom para o jogador (e muito bom tem ele sido para o clube) partir nessa altura, antes do início da época. Para o Sporting, ter-se-iam perdido exibições de luxo, mas sinceramente não penso que a nossa situação fosse substancialmente diferente, sobretudo se tivéssemos comprado um avançado de jeito e colmatado algumas deficiências noutros setores. Vietto (infelizmente lesionado em Setúbal) tem dado muito boas impressões e não tem jogado no lugar onde provavelmente renderia mais. Sem a dúvida permanente sobre quando seria a altura de Bruno sair, a equipa e o treinador ressentiram-se. Nada disto é culpa do jogador, que pode ser acusado de tudo menos de não ter dado o máximo pelo Sporting. Mas o clube e os empresários que o representam deveriam ter levado isto em conta. Espero, por isso, para o bem de Bruno - e em parte para uma definição clara do Sporting -, que o negócio com o Manchester United se concretize deveras. Claro que no jogo contra o Benfica ainda contaremos com ele, espero. E para vencer.
Sem Coates, sem Vietto e quem sabe se sem Acuña, o Sporting apresenta-se enfraquecido. Mas num Sporting-Benfica não há fracos. Cada um dá o que tem.
O único reparo é sobre a organização deste campeonato e das outras provas de futebol sénior. Tanto há longos espaços sem jogos, como depois há uma sobrecarga, ou uma espécie de sobrecarga que noutros países seria considerado normal. Menos normal, para não dizer totalmente anormal, é jogar-se depois das nove da noite, em pleno Inverno. É um convite a não ir. Já o Benfica contra o Rio Ave, para a Taça, começou às 21.15. Amanhã o Sporting-Benfica começa às 21:15. São jogos que acabam quando as crianças já estão a dormir, não faz sentido nenhum. Aliás, toda a calendarização das provas é confusa, como escreveu, justamente, José Manuel Delgado.