Não morres!

OPINIÃO12.08.202206:30

Tão admiravelmente desconcertante, tão imprevísivel e delicadamente genial

CHALANA tinha tanto talento, mas tanto talento, tanta genialidade, tanta qualidade, era tal o dom para jogar e era tal a facilidade com que obrigava os adversários a correr atrás dele ou os fazia cair à sua frente, e, enfim, o futebol que jogava era tão imprevisível, tão divertido, tão desconcertante, tão entusiasmante, tão efervescente, tão animado e empolgante, que mesmo mil palavras serão sempre insuficientes para definir o que ele fazia num campo de futebol, em jogo ou no treino, ou numa quadra do velhinho futebol de salão que tanto o empolgava, ou apenas na praia, simplesmente, com amigos.

O futebol de rua, como lhe chamou, e bem, o portista António Oliveira, era, no fundo, a essência do jogo de Chalana, depois de Eusébio - que ainda vi jogar, embora já nos últimos anos - o melhor e mais incomparável jogador português que pude testemunhar em campo, e, confesso, por aí me fiquei mesmo depois de aparecerem, num outro tempo e num outro futebol, talentos como os de Paulo Futre, Luís Figo ou Rui Costa, e, por fim, Cristiano Ronaldo.

Como Eusébio, também Chalana era Chalana. Podemos comparar centrais, extremos, meio-campistas, pontas de lança. Mas tal como nunca poderemos comparar Eusébio a ninguém, também creio que Chalana apenas se compara a Chalana, é, pois, incomparável, inigualável, inevitável.
 

Chalana (inconfundível) entre Carlos Manuel, Álvaro, Veloso, António Bastos Lopes, Bento, Rui Jordão, Nené e Diamantino. Imortais!


De Chalana, simplesmente Chalana, disse, um dia, Paulo Futre, que tinha um jogo de cintura único. «Nunca houve, não há e não voltará a haver um jogo de cintura como o dele», afirmou Paulo Futre, sob o olhar vivo de Chalana, numa gala de aniversário do Benfica, em 2013, quando Futre teve a dimensão e a humildade, por íntegro e admirável respeito por Chalana, de literalmente se ajoelhar aos pés do pequeno genial em pleno palco do Coliseu dos Recreios, em Lisboa.

Naquela noite, quando o Benfica homenageou a sua pequena grande estrela com o mais nobre dos prémios (Águia de Ouro por tudo o que fez pelos encarnados), Paulo Futre fez questão de explicar a novos e mais velhos o que Chalana lhe representara, como inspiração e como ídolo, atribuindo-lhe a responsabilidade pelo futebolista em que ele, Paulo Futre (outro dos mais geniais jogadores portugueses de sempre), veio a transformar-se.

«Devo a Chalana o jogador que fui», disse Futre. Talvez assim, pela história e palavras de outros, melhor compreendam os mais novos o que representou Chalana. Quem o viu jogar viu o inimaginável; quem não viu dificilmente terá a noção do que na realidade foi o pequeno genial, como um dia o alcunhou, com tremenda felicidade criativa, o saudoso jornalista José Neves de Sousa.

Nestas últimas horas, após a profundamente triste notícia da morte de Chalana, já foram tantos os testemunhos, tantos os retratos, tantos os depoimentos, tantas as lágrimas e as emoções pelo desaparecimento de um homem que, sendo tão pequeno, era afinal tão gigante no futebol e no coração, e tão bom, mas tão bom e tão simples e tão humilde, que se torna quase impossível (para não dizer mesmo impossível) dizer de Chalana o que, porventura, ainda não foi dito. Por mim, apetece-me, confesso-vos, jogar apenas com as minhas próprias emoções e as memórias que me deixa este verdadeiro herói do jogo que foi, para mim e para tantos da minha geração, esse pequenino e afinal tão gigante Chalana, um herói tão espetacular como o Super Homem ou o Homem Aranha, e ao mesmo tempo, tão emocionante e tão incrivelmente poderoso como o Popeye ou o Astérix, que aliás lhe valeu, este último, também pelas semelhanças físicas, o carinhoso, divertido e empolgante nome de… Chalanix!

Chalana foi também, pois, uma espécie de herói de banda desenhada para a minha geração de amantes do futebol, e a paixão, a diversão e o amor com que jogava eram tão contagiantes que a nós, tão jovens naquele final dos anos 70, princípio dos anos 80, nos fazia sonhar ser como ele, um dia, num qualquer mundo de fantasia, porque a realidade, essa, era inalcançável, tão inalcançável como inalcançáveis são os atributos de qualquer um dos deuses do mais profundo dos nossos imaginários.

O Chalana partiu. Dos grandes dizemos sempre que são eternos. Apesar do lugar-comum, é a verdade. Porque os grandes são demasiado grandes para serem esquecidos. Vivem nas memórias. Para sempre.

Partiu o Fernando Albino de Sousa Chalana, como merecem (escreveu, e bem, o meu camarada Rogério Azevedo) ser chamados (pelo nome completo) todos os verdadeiramente grandes. Partiu o pequeno genial, o mágico, o Chalanix, o Chalas, para alguns dos mais velhos e íntimos companheiros no Benfica e na Seleção Nacional, ou simplesmente o Fernando, como eu, por exemplo, quase sempre o tratei, porque aquela personalidade simples e amiga, genuinamente humilde, quase sempre tão discreta, que tive oportunidade de conhecer logo no início da década de 80, me parecia carinhosamente mais adequada a chamar-lhe simplesmente Fernando.

Chalana era outra coisa, Chalana era, aos meus olhos, aquele jogador tão pequenino e afinal tão monstruosamente gigante no talento e na genialidade, e tenho a certeza que era tão divertido para ele jogar como para todos nós vê-lo, sempre tão admiravelmente desconcertante, tão espantosamente imprevisível, tão delicadamente genial, tal a facilidade com que obrigava os adversários a correr atrás dele ou os fazia cair à sua frente.

Sim, morreu o Fernando. O noso querido Fernando. O meu querido Fernando, que a vida já me tinha levado nos últimos anos. Sim, morreu o Fernando. Mas não o Chalana. Chalana é outra coisa. O Chalana nunca morre!