Não creio que este campeonato chegue ao fim
CURIOSAMENTE, um dos efeitos colaterais do Covid-19 foi o de a pandemia se tornar tema obsessivo de conversas. Conversas que, por sinal, tendo a pandemia como inimigo comum, não chegam à categoria de debates. Também devido ao facto de o vírus ser uma novidade total de que há escassa informação, nem troca de pontos de vista. Isto significa que, sem política e sem futebol para falar, ficamos bastante carentes de uma boa, calorosa e amistosa discussão.
Porém, felizmente, há o Benfica para se encarregar de lançar ideias absurdas. Como, por exemplo, aquela que defendia que, caso o campeonato não chegue ao fim (e eu penso que não chega, mas já lá vamos), devia contar como resultado final o obtido à 17.ª Jornada. A fundamentação, que pode ser muito eloquente, destina-se basicamente a tornar o Benfica campeão, apesar de o avanço da altura (sete pontos sobre o FC Porto) se ter transformado na última realidade que conhecemos (24.ª Jornada): um ponto de atraso. Evitar, pois, que prevaleça a pontuação adquirida até ao último jogo realizado devido a essa desvantagem, é o único objetivo do clube da Luz.
Repare-se que a ideia, além de prejudicar o FC Porto, que passaria a ser oficialmente vice-campeão embora esteja em primeiro lugar, dá uma autêntica facada no SC Braga, que está agora no terceiro lugar destacado, com acesso à Liga Europa, e era na altura o quinto classificado. O Sporting ficaria no mesmo sítio, o quarto posto (o que prova que o meu ponto de vista de sportinguista não está em causa) e o Famalicão seria, além do Benfica, o outro grande beneficiado já que em vez do 7.º lugar que ocupa, ficaria oficialmente em terceiro e entraria nas contas europeias.
Que a possível proposta não tem pés nem cabeça é óbvio. Seria equivalente a permitir que cada clube ficasse autorizado a dizer quais as sete das 24 jornadas quer deitar fora. E assim haveria certa igualdade de procedimentos. O Benfica prescindiria das três derrotas e dois empates (e teria ainda de se desfazer de duas vitórias) e acabaria por ficar com os mesmos pontos do que o FC Porto. Já o SC Braga ficaria só com 14 vitórias e três empates e o Sporting com 13 vitórias, três empates e uma derrota. Cá está o Sporting sempre em quarto lugar e o Benfica empatado com o FC Porto, em vez de com um ponto a menos.
Enfim, com medidas de secretaria há muitas maneiras de resolver o problema.
Como haverá tempo?
ONTEM mesmo, A BOLA dava conta da vontade da Liga e dos clubes retomaram a competição em maio. A vontade parece-me boa, mas o timing parece bastante ousado.
Vejamos: caso não contemos com milagres, intervenções da Nossa Senhora de Fátima ou outros fatores inesperados, Portugal segue na disseminação da doença as curvas já verificadas em Itália, França e Espanha. Nas devidas proporções da população, claro. As medidas que tomou esta semana (ontem mesmo as mais duras) foram determinadas, mais ou menos, com a mesma diferença temporal do que a Itália, mas mais rápidas do que a Espanha ou a França, por exemplo. De qualquer modo, tomando a Itália como modelo, nós vamos com cerca de 12 dias de atraso. O que significa que, mesmo com estas medidas e com o comportamento quase exemplar dos portugueses, praticamente no fim deste mês podemos estar um pouco melhor do que a Itália hoje. E isso, podendo ser importante, não é algo que possamos considerar um bom cenário.
Ou seja, entraremos em abril com a possibilidade de a curva começar a estacionar, a fazer o que os especialistas chamam o ponto de inflexão, ou seja o crescimento dos casos deixa de ser exponencial, como tem sido, para passar a estabilizar, tipo planalto, e depois a descer.
Há inúmeras variáveis. Por exemplo, o coronavírus é como a influenza, vírus da gripe, e não resiste a um ambiente de calor, de Verão? Os infetados poderão ser de novo infetados, ou ficarão vacinados, como acontece noutras doenças? Nada disto se sabe.
Muito embora as autoridades tenham feito o melhor possível, e ainda que possamos relevar os erros cometidos, o vírus não desaparecerá num instante. Podemos estar convencidos de que o mês que vem será de desaceleração dos casos, mas haverá ainda novos pacientes e necessidade de manter muitas medidas que agora cada um interioriza: distanciamento social, hábitos de higiene e, sobretudo no que diz respeito ao futebol, necessidade de evitar concentrações de pessoas.
Chegar a maio (dia 1, feriado, é uma sexta-feira) e pensar que se pode voltar a fazer a vida como até ao surgimento da Covid-19 parece-me demasiado otimista. E tendo em conta que faltam 10 jornadas, mesmo começando no primeiro fim de semana de maio, apenas há nove fins de semana até 30 de junho, data em que as competições nacionais devem estar fechadas. Claro que uma jornada a meio da semana não seria problema, mas isso significaria que tudo tinha corrido de forma excecionalmente positiva.
E o que fazer?
A segunda melhor hipótese já é de si bastante má. A Liga recomeçar em maio, mas sem espetadores nos estádios.
O último jogo e futebol que vi não tinha ninguém nas bancadas e a verdade é que parece uma coisa de amadores. Não porque os jogadores joguem pior, mas sim porque boa parte da emoção que o futebol transmite está nas exclamações do público, nos seus cânticos; talvez, até, nos seus impropérios.
Mas, melhor do que nada, poder-se-ia ter 15 dias ou um mês de portas fechadas e os últimos jogos já com público. E determinar-se os lugares na tabela de classificação com uma justiça quase completa. Ainda que a falta de público prejudique, desde logo, os maiores clubes.
Por último, e temo que acabe por acontecer, há a hipótese de, por razões de prevenção, os próprios jogadores e equipas técnicas continuem a ser preservados e a não jogarem durante parte do mês de maio. Isso obrigaria ao pior dos cenários. Jogos de três em três dias, parte deles, ou todos, sem assistência.
E, finalmente, o primeiro cenário em que se trabalhou, antes de se saber que o Euro-2020 seria adiado um ano: a Liga nunca chegar a acabar. Perante isso voltamos às hipóteses iniciais e a mais uma que já foi levantada: não ser considerado este campeonato. O que seria injusto para várias equipas. E, se a nível internacional, uma tragédia para o Liverpool que já ganhou praticamente a Premier League, competição que não ganha desde 1990 (há 30 anos), apesar de ser a segunda equipa inglesa com mais títulos (18), com menos dois que o Manchester United.
Resta-nos, pois, torcer para que a pandemia seja menos agressiva e duradoura do que parece por estes dias sombrios. E que nos possamos reencontrar com este magnífico jogo que é o futebol, nos estádios, nos jogos vistos pela televisão, nas peladas de casados contra solteiros. Espero que me perdoem o pessimismo. Eu próprio espero estar enganado.