Mnemósine esqueceu-o!...

OPINIÃO25.08.202306:30

Lembra-te, Vlachodimos, «só quem luta por dentro da escuridão terá algum dia a sua própria quota de sol»

ODYSSEAS VLACHODIMOS podia bem ser o personagem de um famoso conto de Hans Christian Andersen. Só que um conto incompleto, porque o patinho feio, faça o que fizer, sabe que nunca será reconhecido como um cisne. Talvez prefira Gabriel García Márquez e se reveja em Santiago Nasar, protagonista de Crónica de Uma Morte Anunciada, condenado por denúncia falaciosa perante o olhar cúmplice de uma aldeia. O mesmo olhar dos adeptos do Benfica, de onde não sopra uma brisa de solidariedade. A recente votação em abola.pt é clara: dois terços defendem que seja vendido. Venha Trubin, já cisne antes mesmo de se mostrar.

Ponto de ordem: não sou o maior fã de Vlachodimos como guarda-redes, mas incomoda-me que viva sempre sob o jugo da tolerância zero. Jesus considerou que teve culpas no golo de Matheus Nunes que deu a vitória do Sporting em Alvalade, a 1 de fevereiro de 2021, e ficou marcado. Ainda fez mais dois jogos, em que não sofreu golos, tempo para Helton Leite se preparar e assumir a titularidade. Vlachodimos não fez tudo o que podia no jogo com o Boavista? Foi entregue de bandeja na crítica pública de Roger Schmidt.

Digam-me quantos jogadores do Benfica, tendo errado num jogo, foram visados nos mesmos termos e perderam a titularidade no jogo seguinte? Justificar a troca de Vlachodimos por Samuel Soares com a necessidade de dar «nova energia» à baliza foi apenas a assinatura da certidão de óbito. A roçar a humilhação. Novo ponto de ordem: Roger Schmidt, como outros, tem todo o direito a achar que o grego não é guarda-redes para o Benfica. Mas, então, esperasse que Trubin estivesse pronto para fazer a troca, todos percebemos que o Benfica não investiria o que investiu no ucraniano se não fosse para ser o número 1. E, possivelmente, muito bem. Odysseas Vlachodimos reagiu bem? Não. Deveria ter lido o compatriota Odysséas, como ele, mas Elýtis, Nobel da Literatura: «Só quem luta por dentro da escuridão terá algum dia a sua própria quota de sol.»

Mnemósine, a deusa grega da memória, não espalhou os seus dons pelos adeptos do Benfica e analistas. Por cada jogo menos conseguido - e nem estamos a falar de frangos - duas mãos cheias de jogos em que foi decisivo. Que recorra a Atena para lhe inspirar a sabedoria que lhe escapa agora, acossado. E que ao deixar o Benfica evite beber a água do rio Lete (esquecimento). Para o bem e para o mal, a água do rio Mnemósine lhe dará a memória que, no seu caso, será sempre de aprendizagem.