Milagres de Santos da casa e de redentores de fora

OPINIÃO21.11.201903:00

Comecemos pela Seleção de todos nós. Estas interrupções da Liga, embora sendo exageradas e mal programadas, têm o condão de nos colocar, a todos, do mesmo lado da barricada. Somos por Portugal, torcemos por benfiquistas, como Bernardo Silva, portistas, como Gonçalo Paciência e, sobretudo (digo eu), sportinguistas como Ronaldo ou Bruno Fernandes. E acima de tudo queremos que o treinador tenha sucesso, independentemente das avaliações, melhores ou piores, que se façam sobre o seu estilo de jogo.
Temos a 11.ª presença consecutiva numa grande competição de seleções de futebol. Neste aspeto, o século XXI tem-se revelado muito diferente do século anterior no qual a maioria das vezes só alcançávamos vitórias morais. Tivemos excelentes jogadores - basta recordar Eusébio, Chalana, Jordão, Damas, Humberto Coelho e tantos outros. Mas, nos Mundiais, tirando o terceiro lugar de Londres, em 1966, e o desastre de Saltillo, no México, 20 anos depois, nunca Portugal se qualificou. Nos Europeus houve uma meia-final emocionante em França, 1984, e uns quartos de final em 1996, na Inglaterra, mas o triste panorama foi idêntico. Na verdade, só de 2000 para cá não falhámos uma fase final.

Nesta caminhada contámos com diversos treinadores, de Humberto Coelho e António Oliveira, passando pelas eras de Scolari e Paulo Bento. Porém, desde 2014, sem dúvida que foi com Fernando Santos e o seu futebol tantas vezes contestado pelos puristas que a Seleção mais êxitos teve. Aliás as únicas duas vitórias internacionais: o Euro-2016 e a Liga das Nações em 2018. O fenómeno Ronaldo, que se estreara muito antes na equipa portuguesa, tem uma parte da responsabilidade neste sucesso. Mas há que reconhecer que o Santos da casa fez milagres e a FPF organizou-se e dotou-se de estruturas de apoio como não se viam. A máquina funciona e, mesmo em batatais, como no Luxemburgo, conseguimos vitórias que não são morais, assim como não somos vítimas do azar, como durante 40 anos ouvi dizer. Passámos à condição de potência do futebol. Os nossos jogadores são cobiçados (basta ver que na Seleção raros são os que atuam em Portugal) e os nossos treinadores andam pelo mundo e em boa parte dele têm sucesso.

O redentor do Flamengo

Por falar em sucesso de treinadores portugueses é impossível não referir Jesus, autêntico redentor do futebol português no Brasil e, além disso, redentor do Flamengo, que ao fim de tantos anos pode ter a glória de vencer o campeonato, o Brasileirão e ainda a Taça dos Libertadores, que corresponde na América do Sul à nossa Liga dos Campeões.
Para um homem que foi tão mal recebido por tantos colegas, que ouviu dizer que o futebol português era uma coisa sem comparação com a grandiosidade do Brasil e dos seus jogadores e clubes, deve ser uma sensação de vitória a triplicar. Curiosamente, tendo sido Jesus treinador do Benfica e do Sporting há de ter admiradores e detratores nos dois clubes de Lisboa. Por mim, desejo-lhe toda a sorte e torço pelas suas vitórias. Não apenas por ser português, mas porque Jesus tem uma forma de olhar e organizar o futebol que me agradam.

Outro treinador de quem o anunciado declínio, ou mesmo morte, foi bastante exagerado é José Mourinho. Aí está ele de volta ao campeonato inglês, talvez aquele em que melhor se sentiu, desde logo com o Chelsea e depois (menos bem) com o Man. United. Volta a Londres, ao maior rival do Chelsea, os Hotspurs, ou seja, o Tottenham. Dos 164 jogos realizados entre as duas formações, no que é considerado o derby do Norte de Londres, o Chelsea venceu 70, contra 54 vitórias do Tottenham e 40 empates. A equipa do bairro mais elegante (Chelsea) também tem mais títulos europeus (6 contra 3), mas na última época o Tottenham foi finalista da Liga dos Campeões. A responsabilidade de Mourinho não é pequena. Tal como Jesus, não foi recebido de braços abertos. Os adeptos gostavam de Pochettino, culpam a Direção pelo modesto trajeto do clube no campeonato inglês e não perdoam as declarações do Special One em 2007, que jurava gostar demasiado do Chelsea para treinar os Hotspurs. Enfim, coisas do futebol…

Para terminar de falar de assuntos estratosféricos, há que mencionar Ronaldo que vai em 99 golos ao serviço da Seleção. Faltam-lhe 10 para superar o iraniano que toda a gente dizia insuperável e, pelo caminho, já bateu outro recorde: é o primeiro a estar em cinco campeonatos da Europa.

E os nossos clubes?

Eaqui se chega, sem falar em tantos outros talentos que na nossa seleção brilham, assim como nos diversos clubes por onde andam espalhados, para perguntar por que motivo os nossos clubes não têm este nível de competitividade.


Um dos pontos é que lhes é difícil reter os talentos perante os tubarões financeiros que andam pela Europa. Veja-se como o FC Porto já empenhou mais um ror de anos de contratos televisivos; como o Benfica compra as próprias ações da SAD por um motivo que ainda não é claro, mas que parece ter a ver com a preparação de um negócio subsequente; ou como o Sporting, o pobre Sporting, tem de andar a fazer das tripas coração para cumprir os compromissos.

Já aqui escrevi diversas vezes que não vejo saída para os nossos clubes que não passe por grandes injeções de capital. Como se vê, Portugal tem talento - a todos os níveis, porque também os há nos departamentos de fisioterapia e médicos, além de agentes internacionais de gabarito. Não tem é dinheiro. E não tem porque se criou um mito (que não é mais do que isso) de que as SAD têm de ser maioritariamente dos clubes. Enfim, os sócios convencem-se que têm uma palavra a dizer nas SAD do Benfica, Porto ou Sporting? É falso. Não dizemos nada. Conhecemos factos. Só isso. E o desempenho dos dirigentes depende, para os sócios, incomensuravelmente mais dos resultados desportivos do que dos resultados financeiros. É por isso que alguns dirigentes se eternizam e outros acabam a pensar que podem ser donos de um clube sem lá terem dinheiro (pelo contrário ganhando bons salários do clube). O sportinguista, meu consócio, Carlos Barbosa da Cruz escreveu que sempre lhe fez a maior confusão o estatuto de vaca sagrada a ideia de que os clubes têm de ser donos da SAD. Já somos, pelo menos dois! Mas há muitos mais. É preciso ter coragem de abrir a discussão e levá-la até ao fim, com a racionalidade possível nestas coisas do futebol.

Até porque, como se vê, temos matéria-prima, mão de obra, conhecimento, talento, infraestruturas e tudo o que é necessário. Se os nossos clubes não são o que deviam ser apenas pode ser responsabilidade da forma como são geridos, do modelo da sua gestão e também de erros pontuais que se vão cometendo.