‘Master’ VAR

OPINIÃO13.03.202003:00

Oblak e Felipe

Oantigo guardião esloveno do Benfica e o ex-central do FC Porto estiveram a um nível superlativo na surpreendente eliminação do actual titular do ceptro de campeão europeu. E se o primeiro já há umas épocas que consolidou o seu estatuto entre os melhores guardiões mundiais, o defesa brasileiro vem-se assumindo como o verdadeiro patrão da defesa colchonera.

Um Reforço para a arbitragem numa ronda do Além

No Evangelho de S. Mateus há uma passagem particularmente dirigida a todos quantos, por ofício ou feitio, vivem a julgar os outros: «E como podes dizer a teu irmão: Permite-me remover o cisco do teu olho, quando há uma viga no teu? Hipócrita! Tira primeiro a trave do teu olho, e então poderás ver com clareza para tirar o cisco do olho de teu irmão.»

I Minuto 65 do jogo Torreense-Anadia, a contar para a 25.ª jornada da Série C do Campeonato de Portugal: o juiz do encontro, senhor Reforço, da Associação de Futebol de Setúbal, assinala uma grande penalidade, por mais ninguém descortinada, contra o Anadia, o qual estava a vencer por 1-0. Encarregado da transformação, Evaldo atirou ao lado. O senhor Reforço gemeu entre dentes e com eles esmagou a locução «Que Azar!» Exasperado, talvez sim, mas jamais de cabeça perdida, mandou repetir a marcação por suspeitar que Rúben Silvestre supostamente invadira a área, embora o número 19 do Anadia em momento algum o tenha feito. Na segunda repetição, Evaldo lá melhorou a pontaria, mas não o suficiente, pois desta feita consentiu a defesa do guarda-redes Alexandre Verdade. Nada que tenha impedido o senhor árbitro Reforço de mostrar o cartão amarelo ao forasteiro Pedro Santos e mandar repetir a grande penalidade pela terceira vez. Nesse momento, os jogadores do Anadia acharam que assim também já era de mais e tentaram abandonar o jogo. O mesmo deve ter achado o Conselho de Arbitragem da FPF, que imediatamente suspendeu o senhor árbitro Reforço.

II Seja como for, o senhor árbitro Reforço parece fadado e dotado dos predicados requeridos para cometer uma carreira plena de feitos e façanhas várias, na senda de um colega de ofício que integra a nata da classe e que ele reconhece como seu modelo e inspiração: o senhor árbitro Vasco Santos. De certo modo, poderá até dizer-se que o senhor árbitro Reforço é uma espécie de Vasco Santos dos pequeninos. Mas talvez até consiga, um dia, quem sabe, chegar a ser como ele. Certo é que o seu sonho é vir a ser VAR. Não apenas como mais outro qualquer VAR, antes sim alguém da craveira de Vasco Santos, que acaba de presentear o respeitável público do último confronto entre o FC Porto e o Rio Ave com um esplendoroso e memorável recital do que significa ser Master VAR.

III O quadro normativo que pauta os cânones da actuação do VAR é conhecido simplesmente como Protocolo do Videoárbitro, embora a sua designação oficial seja Manual de implementação para competições, o qual foi elaborado pelo International Board e estatui os 12 princípios fundamentais que regulam a intervenção do VAR. De entre estes, sublinhem-se aqui com particular ênfase os seguintes:

1. A tecnologia vídeo só deve ser utilizada para corrigir erros claros e para incidentes graves não assinalados em decisões pré-definidas que alteram o jogo (golo, penálti/não penálti, cartões vermelhos directos e erros de identificação).
4. O árbitro deve sempre tomar uma decisão, independentemente da existência de VAR, ou seja, o árbitro não pode abster-se de tomar uma decisão, remetendo a situação para o VAR. (…). Apenas em ocasiões raras, nomeadamente quando o árbitro tem dúvidas se uma falta é para amarelo ou vermelho, ou quem deve receber a sanção, o árbitro pode consultar o VAR antes de tomar a decisão.
5. A decisão original tomada pelo árbitro não é alterada a menos que a revisão vídeo mostre claramente que a decisão estava errada.

Posto isto, cabe perguntar: i) como se justifica a anulação de um golo por alegado fora de jogo de 3 cm identificado pelo VAR? ii) já agora: qual a largura das linhas imaginárias que são virtualmente projectadas nos relvados?

Duas notas finais: i) o presidente do Comité de Árbitros da UEFA considerou que o videoárbitro não deve alterar as decisões nos lances de fora de jogo no limite: «Queremos que o VAR intervenha apenas quando as imagens mostram um erro claro. Caso contrário, a decisão tomada em campo é a melhor», disse Roberto Rosetti; ii) o Presidente da República, supremo magistrado da Nação, e o Primeiro-Ministro podem ser livremente criticados todos os dias - e são mesmo! - por qualquer cidadão, mas o presidente de um clube, como sucede agora com o do FC Porto, é objecto de um processo pelo Conselho de Disciplina (CD) da Federação Portuguesa de Futebol «com base em declarações sobre arbitragem». E o que disse ele de tão grave? Basicamente duas coisas: i) apontou «falta de qualidade» aos árbitros Artur Soares Dias e Vasco Santos; ii) exprimiu o voto de, tão cedo, não voltarem a cruzar-se com os dragões, pois que «se eles têm azar nos jogos do FC Porto e nós temos azar com eles, o melhor para evitar que haja azar de um lado e de outro é evitar que apitem jogos do Porto.»

É que se trata mesmo de azar. Que outra coisa mais poderia ser se um árbitro de campo e um VAR são capazes de levar cerca de 7 minutos a medir um fora de jogo de 3 cm (o que dá a excelente média de um pouco mais de 2 minutos por cada cm!) e quase em simultâneo não logram vislumbrar uma falta chocante na área vila-condense?

Já o presidente do Anadia, compreensivelmente revoltado com o senhor Reforço, explicou assim o sucedido: «O que se passou ali é que havia um doido dentro de campo.» E disse ainda mais: «Se tem a ver com o Anadia? Julgo que não, mas hoje em dia ouve-se falar tanto em apostas...»
Não consta que tenha sido alvo de qualquer processo.

Entrevista imaginária
- Quanto mede uma rolha de cortiça de uma garrafa de vinho?
- Cerca de 4 cm, ou seja, deitada no relvado seria suficiente para medir um fora de jogo.

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