Marega
(Porque um homem é mais importante do que todos os jogos de futebol, hoje não se fala aqui de clubes ou de golos)
Moussa Marega
Quando se viu Marega a correr desesperadamente para fora das quatro linhas que delimitam o terreno de jogo do estádio vimaranense, como se estivesse a tentar escapar de alguma besta maléfica que o perseguisse, imparável e imponente na brutal potência de quem não consente a ninguém intentar a sua captura, atado aos grilhões da indignidade humana, logo se percebeu que algo da maior gravidade havia sucedido. Desta vez não era apenas mais uma, como tantas outras, em que lhe pontapeavam as canelas. Não. Desta vez, um golpe vil, cobarde e traiçoeiro tinha-o seriamente atingido em algo de muito profundo. De tal forma profundo que jamais seria capaz de pactuar com o crime que estava em curso. Porque era mesmo um crime. E quem pactua com a prática de um crime é susceptível de incorrer em responsabilidade penal. Mesmo tratando-se de cúmplice ou conivente.
(Fiquei perplexo perante o drama testemunhado em directo, porquanto a transmissão televisiva não havia mostrado até aí, nem alertado para os reais motivos que despoletaram o nexo de causalidade com o que veio a suceder depois).
Não falemos aqui da súcia*. Limito-me apenas a esperar que alguém suficientemente habilitado para o efeito conceda a graça de responder às seguintes questões:
Nem o árbitro nem nenhum dos seus assistentes, nomeadamente o quarto árbitro e o VAR, com os seus múltiplos olhos especiais de corrida para tão longe e tão perto, nada viram nem ouviram? E se viram ou ouviram porque omitiram então qualquer acção coerente e consequente? E se Marega não tivesse feito o que fez fariam eles alguma coisa por sua própria iniciativa? Se o treinador portista e todos os seus colegas de equipa - além de alguns adversários, é justo reconhecê-lo, em especial Sacko, igualmente maliano - tivessem conseguido suster a auto-exclusão de Marega, continuando assim este em campo, o árbitro mostrar-lhe-ia, ou não, um cartão amarelo?
Evidentemente que vão ser identificados os membros da corja** cujas caras aparecem com uma luminosa nitidez nas fotografias publicadas ou exibidas nos media (parabéns a este jornal pela sua fantástica capa!). Veremos o que segue. Em qualquer caso, porém, atendendo à gravidade do sucedido, bem como à respectiva natureza pública, devem ser divulgados integralmente todos os relatórios sobre a realidade fáctica imputável à referida cambada***, desde os procedentes do árbitro e do delegado da Liga até aos produzidos pela Federação, pelas forças de segurança e pelo Ministério Público.
Para terminar: desde há muitos, muitos, anos que nutro uma enorme simpatia pelo grande Vitória Sport Clube. Sinto, por conseguinte, uma condoída tristeza pelas declarações feitas pelos presidentes da direcção e da assembleia geral do clube. Guimarães e os vimaranenses mereciam ser representados de uma forma mais condigna.
* Dicionário da Língua Portuguesa - «súcia»: cambada, caterva, corja
** Dicionário da Língua Portuguesa - «corja»: cambada, caterva, súcia
*** Dicionário da Língua Portuguesa - «cambada»: caterva, corja, súcia
Da zoologia e afins
Anos passados, já aqui escrevera sobre aquilo que distingue a teoria criacionista e a tese evolucionista. Lembrando, nomeadamente, que o confronto entre ambas as correntes não assenta exclusivamente em razões científicas. Talvez se possa mesmo alvitrar que, pelo contrário, tal divergência radical encontra os seus fundamentos mais em concepções metafísicas do que em demonstrações estritamente racionais. Noutra ocasião também escrevi nestas páginas sobre um livro intitulado A Agressão, da autoria de Konrad Lorenz, porventura a mais impactante obra jamais concebida no âmbito da Etologia, a ciência do comportamento animal. Não se me afigura muito provável que a nauseabunda caterva**** racista que fez o que fez a Marega tenha lido tal livro, ou até mesmo A Origem das Espécies, suprema obra de Darwin. Seja como for, no caminho que vai do animal irracional até ao homem moderno parece-me haver mais uma rotura do que apenas uma evolução. Tenho, porém, uma dúvida: em que grupo se insere esta súcia, corja, cambada ou caterva? Estará mesmo já demonstrado pela ciência que pertence de facto ao Homo Sapiens? Muito sinceramente, por vezes sinto não poucas dúvidas sobre tal presunção. Propendo mais a acreditar que se trata de uma seita de quadrúpedes disfarçados de membros pertencentes à tipologia do homo erectus. Seja como for, depois de Marx e Engels terem elaborado as suas teses, na senda de Hegel, sobre os materialismos histórico e dialéctico, coube a Trotsky a mais assertiva qualificação atinente à suposta supremacia de uma raça sobre as demais - «materialismo zoológico». Materialismo zoológico. Estas duas palavras foram o suficiente para qualificar em definitivo tal delírio.
**** Dicionário da Língua Portuguesa - «caterva»: cambada, corja, súcia