Ler e ouvir nas entrelinhas de Martínez
Roberto Martínez continua a ser simpático, mesmo quando explica em pormenor que nem tudo está bem quando se ganha de goleada
T AL como as pessoas, cada um de nós, o futebol é sempre ele e as suas circunstâncias. Daí que o jogo de estreia de Roberto Martínez aos comandos da Seleção Nacional tivesse tido mais de circunstâncias do que de futebol. Foi como aqueles discursos políticos em que o orador faz questão de que seja lido nas entrelinhas. Ou seja, não basta o que se vê e ouve, é preciso saber interpretar para tirar conclusões. E foi assim que a Seleção de Cristiano e mais dez se mostrou em Alvalade. Um adversário muito poucochinho e por isso desafiador da tentação de cada jogador português mostrar as suas habilidades e, também por isso, contrário ao desejo maior do selecionador de avaliar a equipa, o seu comprometimento global, as suas interações, a sua riqueza de articulação de setores e de certas zonas nevrálgicas do terreno.
Martínez disse, se bem se lembram, que o jogo tinha sido uma trampa, no sentido espanhol de que se tratava de uma armadilha que poderia trazer um convencimento de facilidade e de sucesso onde houve, apenas, a inevitabilidade do maior e mais forte desancar o pequeno e frágil.
Questão sem dúvida curiosa e significativa tem sido o facto de Roberto Martínez ter dito que, depois do primeiro golo, a equipa se desorganizou taticamente e assim esteve até ao intervalo, numa ânsia, sem sentido, de chegar depressa a mais golos. E também deu lição de futebol explicando que, neste jogo e com este adversário em particular, usou Danilo como central porque, no fundo, esperava dele, acima de tudo, a sua habituação a médio, o que realmente foi durante grande parte do tempo. Também disse, perante a excitação da estreia benigna de Gonçalo Inácio, que ele entrara muito nervoso - uma forma simpática de dizer que entrou mal no jogo - mas que, depois, regressou ao que dele se esperava. Por fim, salientou que a equipa vai ter de trabalhar muito, porque continua a não ser suficientemente eficaz quando não tem bola e é aí que as grandes equipas mais se diferenciam das outras.
Ou seja, apesar de toda aquela simpatia irradiante do espanhol que teima em aprender depressa português, percebeu-se que a simpatia não se estende aos rigores da sua profissão que tem de conduzir homens num espírito militar de grupo que precisa de objetivos concretos, disciplina à prova de bala, treino de ataque e defesa, confiança absoluta no desempenho da missão. E tudo isto, a meu ver, se pôde ler e ouvir nas entrelinhas do discurso do novo selecionador.
Q UANDO João Mário entrou, já em horário tardio e com o jogo decidido, uma parte do público de Alvalade, evidentemente afeto ao Sporting, assobiou. A Federação foi pronta a reagir, de uma forma assertiva e proporcional, pelo presidente Fernando Gomes, condenando a prática de um facciosismo inaceitável. O mesmo aconteceu - e bem - com Palhinha que tinha autoridade moral e clubística para o fazer. Não há, pois, qualquer motivo de recriminação no que respeita à forma como o grupo reagiu na defesa de um dos seus elementos.
Trata-se, porém, como não podia deixar de ser de uma reparação institucional e politicamente correta, até, talvez, didática. Um problema: quem assobiou nunca será permeável a uma mensagem de educação cívica. Há, no futebol português, e não só, uma cultura arruaceira e de uma agressividade cobarde tal como se comprova pelo simples acompanhamento das redes sociais. Porque anónima e, daí, supostamente irresponsável. É, pois, na ação psicológica com o jogador que estes assuntos melhor e mais eficazmente se resolvem.
DENTRO DA ÁREA
O cachimbo com fado em fundo
Esta pausa para a atividade das seleções veio mesmo a calhar para o FC Porto. O clube estava a viver em águas tão agitadas que já ninguém controlava a maré. Sérgio Conceição foi mais direto e crítico do que nunca e a administração portista achou-se inaceitavelmente desafiada por um funcionário, mesmo que de alto cargo. Por isso, Pinto da Costa veio a público desmentir o seu treinador. Que não era verdade que não tivesse havido investimento na equipa. Dito isto, foi ao Olival fumar mais um cachimbo de paz. Com fado em fundo.
FORA DA ÁREA
Obviamente demite-se...
Então é assim: o governo escolheu uma CEO para a TAP por concurso. O objetivo era que a empresa desse lucro dois anos depois. Porém, logo no ano de 2022 a administração de Christine Ourmière-Widener conseguiu o impensável lucro de 65,6 milhões de euros e 3,5 mil milhões de receitas. Como reagiu o governo a estes resultados operacionais? Pois decidiu despedir a CEO, por ter ido além das suas funções, ao mesmo tempo que lhe entregará 600 mil euros de bónus pelo sucesso do seu trabalho. Apenas por pressão mediática?