Lee Mason: anda apitar, tu apitas bem

OPINIÃO21.02.202305:30

Por cá, ninguém sonha sequer que as decisões erradas de um VAR possam resultar no seu afastamento permanente de funções. Impossível

NÃO sei se todos repararam naquilo que aconteceu há poucos dias em Inglaterra. Um vídeo-árbitro que dá pelo no-me de Lee Mason anunciou subitamente o fim precoce da sua car- reira. Esta notícia foi comunicada após uma decisão por mútuo acordo tomada pelo vídeo-árbitro e a entidade que tutela a arbitragem naquele país. O comunicado emitido pela associação de árbitros foi pautado por uma rara elegância no momento de despedida que até tinha tudo para constituir uma espécie de embaraço. Assinala os 15 anos de carreira e os mais de 500 jogos de Lee Mason, agradecendo-lhe pelo seu trabalho muito dedicado e desejando felicidades para o futuro.
 

MESMO com o advento das redes sociais e esta aldeia global em que vivemos, é sabido que estas novas tendências da civilidade demoram a fazer caminho em Portugal. Por cá, certamente, ninguém sonha sequer que as decisões erradas de um VAR possam resultar no seu afastamento de funções, mas, apesar de tudo, ainda vamos acreditando que a humanidade está destinada a progredir.  
 

PENSEM outra vez. Quando tudo parecia encaminhar-se para o cumprimento do mais elementar princípio do bom senso, e todos nos convencemos que Fábio Melo seria, no mínimo, afastado durante alguns jogos, quem sabe para corrigir as dioptrias, eis que se verifica o oposto: o VAR do SC Braga-Benfica, que conseguiu não ver um penálti ou sequer motivo algum para chamar o árbitro do jogo num lance ao alcance da esmagadora maioria dos seres humanos com acesso a uma dúzia de câmaras para fazer uma avaliação, esse mesmo VAR, foi nomeado para a jornada imediatamente a seguir, nem mais nem menos para um jogo do Sporting, quarto classificado na Liga, em Chaves. À hora em que escrevo, esse mesmo VAR ajudou a confirmar um penálti sobre Paulinho que teria feito o Taremi rir às gargalhadas. 
 

NÃO precisam de me explicar, que eu já conheço a cantilena de trás pa- ra a frente. O penálti foi assinalado pelo árbitro da partida, António Nobre, e a partir daqui qualquer análise entrará numa espiral de negação da realidade assente na expressão “intensidade do contacto”. A intensidade do contacto apresenta-se como um eufemismo encontrado para qualificar aldrabices como as de Taremi ou a de Paulinho em Chaves, mas, no essencial, diz-nos que, se o árbitro de campo cometeu um erro, é muito pouco provável que o VAR possa fazer algo quanto a isso, mesmo que seja manifestamente óbvio, repito, para qualquer pessoa com dois olhos operacionais q.b., que Paulinho se aproxima do guarda-redes flaviense, explica a este que vai cavar um penálti, informa atenciosamente os espectadores no estádio daquilo que está para acontecer, prepara-se nesse momento para adiantar a bola, acena para um amigo de longa data que encontrou na bancada, promete dedicar-lhe o penálti que se prepara para cavar, lá decide adiantar a bola e, finalmente, deixa-se cair após ter sido violentamente atingido pelos pés imaginários do guarda-redes que de- fendeu pela primeira vez a baliza do Desportivo de Chaves. O veredicto? É impossível dizer com certeza. Teríamos de ser capazes de avaliar a intensidade do contacto. Que desporto maravilhoso este!  
 

Em Inglaterra, Lee Mason anunciou, subitamente, o fim da carreira. O ex-árbitro desempenhava a função de VAR

PERANTE o atual estado das coisas, eu tenho uma sugestão para o senhor Lee Mason, o tal ex-árbitro que anunciou a reforma da vídeo-arbitragem muito recentemente. Sugiro-lhe que repense. Aproveite enquanto é tempo e venha para Portugal. Bem sei que o seu passado menos distante não tem primado pela competência, mas, bem vistas as coisas, a memória que nós adeptos temos dos árbitros portugueses é tão má ou pior, e no entanto isso não os tem impedido de continuar por cá semanalmente, a semear dúvida e a cultivar incompetência com uma taxa de desa- certo inversamente proporcional à de Erling Haaland, sem que daí decorra grande dano para os ditos cujos. Meu caro, estão reunidas todas as condições para uma segunda vida na arbitragem. É caso para dizer, recuperando uma expressão integrada no vernáculo em 2016: Lee Mason, anda apitar, tu apitas bem! Se alguém perder por causa da tua incompetên- cia, que se lixe - o termo usado originalmente também tinha 4 letras, mas era outro. Vais ver que tudo passa, Lee. O segredo, como irás rapidamente perceber, é não abrir a boca e esperar que os pategos se esqueçam. E quem são os pategos? Aqui, em Portugal, são os adeptos. Resulta. Finge-se que não aconteceu nada. 
 

MAS, Lee, deixo-te aqui um outro aviso. Nem tudo em Portugal é um mar de rosas. Não te admires se nalguns jogos os treinadores ou os dirigentes de uma das equipas caminharem na tua direção como se quisessem arrancar-te a cabeça. Em Portugal,  é normal, faz parte do espectáculo. É a paixão dos intérpretes a vir ao de cima. Quem criticar isso é porque não percebe o futebol, ou porque nunca esteve num balneário. Se por acaso tiveres a infeliz ideia de expulsares um deles, fá-lo por tua conta e risco. É possível que te prometam conversar lá fora. 
 

HABITUA-TE a tudo isto, e prepara-te para a visita: pode ser em casa, no talho por perto ou até no centro de treinos. Já sabes, o importante é deixar passar até os pategos se esquecerem. Sim, eu sei o que estás a pensar e a resposta é não, neste tipo de casos também não deves esperar grande reação dos teus superiores hierárquicos, não vá uma reação pública à intimidação dos árbitros incomodar alguém. Pois é. Já não estás em Inglaterra, amigo. Wake up and smell the coffee. Daqui em diante, lembra-te apenas destas palavras que se aplicam no futebol português há décadas: “Evita, tens família”. Pronto. Já sabes tudo o que precisas de saber para a aventura correr bem. Esperamos ansiosamente pela tua chegada. Desejo-te a melhor sorte nesta passa- gem pela arbitragem em Portugal, onde a incompetência e a capacidade de a agravar terão tudo para dar certo.
 

ATÉ quando vamos mascarar o estado do futebol português com as receitas económicas gera- das por vendas de jogadores que não querem cá estar, se o verdadeiro produto continua a revelar bancadas vazias e constitui, nos seus piores momentos, uma extensão tóxica de tudo o que reside nos extremos da sociedade portuguesa?