Ingredientes, temperos e saladas

OPINIÃO04.12.202205:30

Muitas seleções têm ingredientes de grande qualidade, mas o resultado não é agradável quando misturados e temperados

NO futebol o difícil é fazer o simples. Pepe esteve na conferência de imprensa antes do jogo com a Coreia do Sul e, de uma forma muito natural, confidenciou uma estratégia comunicacional que Fernando Santos utiliza com o grupo de trabalho. Para se fazer uma boa salada, o mais importante é ter ingredientes de qualidade e saber misturá-los, assim como acrescentar um tempero que torne o sabor mais atrativo. Fazendo o paralelismo para o Mundial de futebol, existem muitas seleções que têm ingredientes de grande qualidade, mas que quando misturados e temperados, o resultado não é agradável. A Bélgica é o melhor exemplo de uma salada cara, mas sem qualidade. Com tão bons ingredientes, faltou aquilo que é mais importante e que o treinador deve conseguir acrescentar: complementaridade entre todos, união, compromisso e sentido de coletivo. Ao longo das conferências de imprensa da Bélgica, verificámos que existiam discursos antagónicos entre vários jogadores, o que nos leva a crer que o ambiente não era o melhor. Quando assim é o resultado final, por norma, é negativo.
 

JAPÃO, AUSTRÁLIA, COREIA DO SULE MARROCOS 

PELO contrário, assistimos a surpresas, umas maiores que outras. Seleções que aparentemente só vinham marcar presença, mas que acabaram por ter um papel de destaque, por mérito próprio e porque conseguiram potenciar os seus pontos fortes. Hoje em dia todas as equipas trabalham bem. Têm a capacidade de analisar os adversários e de avaliar a melhor estratégia para os poder derrotar. Os que têm menos argumentos (ingredientes) suportam a sua estratégia num enorme espírito de sacrifício, na organização defensiva e na capacidade para aproveitarem da melhor forma os poucos momentos que têm à disposição para finalizar. Dos 4 destaques (Japão, Austrália, Coreia do Sul e Marrocos), realço o Japão por 3 motivos diferentes: a dificuldade da sua missão com um grupo muito difícil, a sua prestação desportiva e o seu comportamento extra futebol. Assim, venceu dois dos grandes candidatos ao título, tendo inclusivamente deixado para trás a forte Alemanha. Com uma atitude incrível, com um compromisso e dedicação notáveis, com organização, qualidade e uma ponta de sorte, o Japão fez o impensável. Fora das 4 linhas também deu o exemplo, pela forma como sempre deixaram os balneários (jogadores e staff) e bancadas impecáveis (adeptos nipónicos), demonstrando um enorme respeito e uma forma de estar única. 
 

A SALADA ARGENTINA 

AArgentina tem vindo a crescer ao longo do Mundial. Começou com uma derrota frente à Arabia Saudita e com um futebol demasiado previsível. Scaloni, astuto, tem vindo a afinar a máquina para ultrapassar os obstáculos que vai encontrando pela frente. A fórmula encontrada para melhorar o rendimento coletivo passou pela entrada de 3 “ingredientes” (Mac Allister, Enzo e Alvarez) que vieram conferir maior equilíbrio, verticalidade, mobilidade e imprevisibilidade. De uma forma perspicaz, o selecionador argentino resolveu um problema de dinâmica ofensiva pela via individual, através da integração no onze de jogadores que têm características que complementam e acrescentam valor às grandes figuras da seleção. A realidade é que a Argentina já esta nos quartos de final, com exibições mais seguras e em crescendo. 
 

PEPE - TEMPERO PERFEITO

P EPE referiu que os ingredientes devem-se conjugar para criar uma salada atrativa. Mas para que o produto final seja de qualidade superior, é necessário que o tempero seja o ideal e que consiga misturar e valorizar todos os ingredientes. Fazendo uma ligação ao futebol, se analisarmos Pepe, percebemos que não é um ingrediente, mas sim um tempero. Pepe tem liderança, tem experiência, qualidade e maturidade. Todas estas características são fundamentais para ligar ou potenciar os colegas que estão ao seu lado no relvado. Tem ainda a vantagem de ter uma enorme carreira, sem nunca se colocar em bicos de pés, pelo contrário, dando constantemente o exemplo com o compromisso e atitude que demonstra em cada treino e jogo.
 

RENOVAÇÃO RUBEN AMORIM  

NO podcast do Leão, Ruben Amorim anunciou a sua renovação até 2026. Ao longo destes 3 anos de leão ao peito, RA justificou plenamente esta renovação. Do lado do Sporting, é muito importante ter um treinador que criou uma identidade forte e ajudou o clube a seguir um rumo diferente do passado recente, com valorizações de ativos e com títulos. Já Ruben Amorim, demonstra que não tem receio de desafios. Está confortável num clube que lhe proporciona estabilidade financeira, mas em função da sua prestação poderia ter a ambição, desde já, de dar um passo diferente na sua carreira. 

Sou suspeito para falar de Ruben Amorim, simplesmente porque gosto da sua forma de estar. Inteligente, perspicaz, de ideias fixas, bom comunicador, frontal e irónico. No último artigo escrevi que um bom líder é aquele que consegue entrar na cabeças dos jogadores, um excelente líder consegue complementar a vertente mental com o trabalho de campo. Numa primeira fase, Ruben Amorim provou ser um excelente líder, com processos simples, mas percetíveis, com rotinas bem criadas e automatizadas (salada perfeita para o momento) que permitiram aos jogadores do Sporting surpreender dentro do relvado, ao ponto de serem campeões. Ano após ano as dificuldades aumentam e Ruben Amorim tem a perfeita noção que tem de ir, não só afinando o seu sistema de jogo, como criando alternativas que surpreendam os adversários e permitam aos seus jogadores encontrarem os caminhos para os desbloquear.
 

SCHMIDT - INGREDIENTES E TEMPERO MUITO BEM AFINADOS

COM as atenções viradas para o Mundial, o Benfica lá continua a sua caminhada sem derrotas e com exibições bem conseguidas. Com mais duas vitórias na Taça da Liga, a “salada” criada por Roger Schmidt, está invicta, com 27 jogos sem perder. O tempero (estilo de jogo e mentalidade) que Roger Schmidt coloca nos seus ingredientes (jogadores), faz com que todos saiam valorizados até ao momento.
 

A VALORIZAR

Vitinha – Aproveitou a oportunidade frente à Coreia, com uma bela exibição em que demonstrou que com ele em campo a seleção fica mais completa, imprevisível e com mais qualidade.

Paulo Bento – Conseguiu o apuramento para os oitavos de final de uma forma merecida, pela organização, qualidade, compromisso e crença que incutiu nos seus jogadores.

Messi – Fez o jogo 1000 da sua carreira e mais uma vez foi decisivo. É o comandante e líder da sua seleção. Continua a jogar e a fazer jogar todos os que estão à sua volta, com uma simplicidade e capacidade de desequilibrar incríveis. Depois de um mau começo, já colocou a sua Argentina nos quartos e voltou a fazer sonhar todos os adeptos da Alviceleste.
 

A DESVALORIZAR

Bélgica e Alemanha – As maiores deceções do mundial. Existiam grandes expetativas em torno destas duas seleções que não foram minimamente correspondidas.