Inevitável

OPINIÃO15.01.202117:29

O claro favorito no clássico desta noite e a mais difícil das tarefas de Jesus

É naturalmente inevitável: todos os olhos estão postos no segundo clássico deste campeonato que se joga esta noite - já muito noite, aliás… - no Estádio do Dragão. Depois do empate a dois golos no Sporting-FC Porto jogado em outubro, é agora a vez de FC Porto e Benfica voltarem a encontrar-se três semanas depois da Supertaça ganha, como sabemos, pelos azuis e brancos. Incontornável também considerarmos o FC Porto-Benfica ou Benfica-FC Porto o confronto entre as duas maiores potências da atualidade no futebol português, dividindo na Liga o domínio das duas últimas décadas - seis títulos do FC Porto de 2000 a 2009, seis títulos do Benfica de 2010 a 2019.
Mais incontornável ainda: considerarmos o FC Porto claramente o favorito para o jogo desta noite, não apenas porque tem mostrado estar mais forte do que o Benfica como equipa, como foi, aliás, visível no jogo da Supertaça, mas também porque o FC Porto falha muito menos vezes do que o Benfica quando as duas equipas se confrontam, com a agravante para o Benfica de o FC Porto raramente falhar, aliás, quando se trata de receber no Dragão o rival da Luz. É assim há muito tempo, é esse o peso da tradição, e mesmo nos últimos anos em que o Benfica mais tem dominado a Liga portuguesa - desde que, em 2009, Jesus chegou ao comando das águias - a verdade é que só por duas vezes os encarnados conseguiram vencer o FC Porto no Estádio do Dragão - uma vez com Jorge Jesus (por 2-0, em dezembro de 2014), e uma vez com Bruno Lage (por 2-1, em março de 2019).
Não será, porém, novidade para ninguém lembrar que mesmo assim, mesmo quando perdeu dessas duas vezes, o FC Porto é quase sempre nos confrontos em casa com o Benfica a equipa que mais ataca, a que mais tem a bola, a que mais oportunidades de golo cria, a que mais força coletiva mostra, a que mais espírito guerreiro revela e a que mais presença física e atlética põe no jogo. Desafiar o FC Porto na sua própria casa tem sido, assim, historicamente muito difícil para o Benfica, e isso é tão verdade que sempre que vence no Dragão o Benfica fica sempre mais perto de ser campeão. No caso de Jesus, é verdade que foi campeão com o Benfica  mais duas vezes mesmo tendo perdido na casa do FC Porto. Mas perder no Dragão e ser campeão quase só acontece quando o Benfica visita o rival já sem precisar desses pontos para chegar ao título.
Sabemos, por outro lado, como este mês de janeiro é, do ponto de vista da competição, particularmente difícil para o Benfica, não apenas pelo número de jogos a confirmar, mais uma vez, calendário apertadíssimo para as equipas de topo, mas sobretudo porque é à águia que cabe visitar o Dragão, esta noite, e Alvalade, lá mais para o final do mês, e ainda terá esta irregular águia, pelo caminho, a fase final da Taça da Liga que a coloca, logo, em confronto com a equipa do SC Braga, que é, na minha opinião - o líder do campeonato que me desculpe… - a que melhor futebol está, de momento, a jogar nas nossas competições.
Quando se trata do campeonato, dizem os manuais que, por norma, ninguém ganha nada em janeiro, mas também se sabe como em janeiro muito se pode perder, e os benfiquistas recearão ver a equipa perder terreno eventualmente decisivo do ponto de vista emocional e da confiança, mesmo sabendo-se que faltará sempre muito campeonato ainda para lá de janeiro.
Ou seja, muito pior do que perder pontos, a questão está em saber-se como resultado porventura negativo poderá traduzir-se no estado de alma de uma equipa do Benfica que tem vindo, precisamente, a mostrar-se bem menos forte nos aspetos emocionais e mentais, com reflexos evidentes na confiança e na harmonia da equipa.
Nesse sentido, sempre que FC Porto e Benfica se encontram sobe a temperatura - faz parte da rivalidade e faz parte da dimensão deste clássico - e aumenta a expectativa. Por muito que os treinadores o procurem, muitas vezes, negar, ou mesmo disfarçar, a verdade é que vencer um clássico sempre valeu mais do que três pontos. Sempre! Vale muitos níveis de confiança e a confiança é absolutamente decisiva na alta competição. Como sempre sublinharam os mestres, o futebol joga-se com os pés, mas está todo dentro da cabeça de cada um!
Conhecendo-se o comportamento habitual do FC Porto neste tipo de jogos, mais ainda quando joga em casa, é inevitável que a expectativa caia sempre mais, no caso, sobre o que valerá a equipa do Benfica: travará o favorito? Dará resposta positiva às críticas que lhe têm sido justamente feitas? Conseguirá Jesus que a equipa mostre, para um desafio deste nível e com esta exigência, melhor organização de jogo? Serão, por fim, os jogadores da Luz, principais responsáveis pela melhor ou pior execução em campo, capazes de mostrar melhor qualidade individual de modo a fazer refleti-la nas possibilidades da equipa?
O que, na verdade, nos têm dito os FC Porto-Benfica dos últimos dez anos é que a dúvida está sempre muito mais do lado do que pode esperar-se do comportamento da equipa da Luz, porque manda a verdade que se reconheça o FC Porto como equipa geralmente mais próxima da sua habitual identidade, sobretudo no que diz respeito a caráter, determinação, atitude e intensidade competitiva, mais ainda nos clássicos.
Há muito que o FC Porto tem conseguido construir, como equipa, uma identidade muito mais vincada do que o Benfica, e, é forçoso reconhecê-lo, foi aliás com Jorge Jesus que o Benfica conseguiu, apesar de tudo, começar a reequilibrar a balança competitiva a favor da águia, ainda que nem sempre com sucesso no confronto direto com o dragão, apesar do crescente sucesso nos títulos ganhos (cinco, para a Luz, nas últimas sete épocas).
Todo este desfiar de dados, mais ou menos objetivos, para concluir como será, certamente, muito difícil, mais uma vez, ao Benfica obter esta noite um resultado que lhe interesse. Mais difícil ainda se tivermos em conta a avaliação que se faz, no momento, das capacidades das duas equipas, e sobretudo, se tivermos em conta o desafio inquestionavelmente maior que se coloca a Jorge Jesus de conseguir com que o Benfica chegue o mais depressa possível à identidade perdida a ao nível que a sua ambição exige.
Por muito que isso custe aos críticos de Jesus, e por muito que o próprio Jesus se tenha visto traído pelo seu entusiasmo inicial, deve olhar-se para esta equipa do Benfica e reconhecer-se a ausência de fundamentais referências sobretudo em matéria de liderança emocional do grupo (nem Pizzi, nem Rafa parecem ser esses líderes, e esse era papel que parecia destinado a Rúben Dias), e reconhecer-se ainda a maior dificuldade na construção da harmonia da equipa pelo elevado número de novos jogadores - dou como exemplo um quarteto defensivo que, em muitos jogos, teve quatro jogadores novos relativamente à defesa da última época, e tem, quase sempre, mantido apenas Grimaldo como repetente do último campeonato, e lhe acrescenta ainda jogadores como Everton, Waldschmidt, Darwin, mesmo Pedrinho, ainda muito jovens a precisarem de adaptação num cenário de pandemia que favorece bem mais a desconfiança, a insegurança, a incerteza e a dúvida, e logo num clube tradicionalmente tão impaciente como é o Benfica.
Pode muito bem Jesus ter acreditado que conseguiria fazer de Rúben Dias, mais os experientes André Almeida, Jardel ou Pizzi,  que já conheciam o treinador, as referências para a criação das indispensáveis ligações químicas sem as quais é muito difícil construir um espírito forte.
A verdade é que perdendo Rúben Dias e vendo André Almeida ser forçado a afastar-se do dia a dia, o trabalho emocional de Jesus parece ter ficado substancialmente mais difícil. Faz-me lembrar um pouco, com as devidas diferenças, o que José Mourinho enfrentou quando, chegado ao Man. United, verificou que as grandes referências inglesas da equipa estavam então praticamente reduzidas a um jovem de 19 anos chamado Marcus Rashford.
Num grande clube, com a exigência e a responsabilidade de ganhar, precisar-se de reconstruir a identidade a partir quase do zero é tarefa inevitavelmente gigantesca e o sucesso desportivo inevitavelmente mais demorado. Não se trata de aliviar a pressão - também ela normal e inevitável - sobre Jesus e que Jesus também acentuou sobre sobre ele próprio por ser homem de entusiasmos, de correr riscos, de se desafiar, de se atravessar, como se costuma dizer. Trata-se, sim, de reconhecer aspetos que nem sempre são levados em consideração e que parecem poder estar igualmente a contribuir para as muitas dificuldades que o Benfica tem mostrado claramente sentir na construção de uma equipa mais sólida e de um jogo mais competitivo, mais bonito e mais eficaz, apesar da reconhecida enorme margem de progressão que a equipa inquestionavelmente parece ter.
Na Luz, verão os mais pessimistas o copo meio vazio. É normal. Mas podem os mais otimistas lembrar, vendo o copo meio cheio, que mesmo tão longe do ideal, chega o Benfica esta noite ao Dragão com os mesmos pontos do FC Porto. Pode não pesar no jogo de hoje; mas não quererá isso dizer alguma coisa?