Havia Díaz, agora só há Galeno

OPINIÃO01.03.202205:30

Comunicar com verdade é a arma mais eficaz para Rui Costa se proteger e acabar com divisões internas alimentadas pelo oportunismo de quem aspira chegar ao poder

NÃO conheço treinador que fique bem disposto quando perde, mas isso não significa que não saiba respeitar as regras, aceitar os resultados e reconhecer os méritos do opositor. É o mínimo. Cá por casa, porém, esse costume, embora cada vez mais praticado, principalmente entre as novas gerações, ainda não se enxerga com a frequência que seria desejável. Prevalecem influências fortemente enraizadas e herdadas de um passado por alguns recordado com saudade mas que, em boa verdade, tendo o seu lugar na história, não contribuiu com a importância que se propala para o desenvolvimento do futebol luso.

Percebo o estado de espírito de Sérgio Conceição ao sentir-se impotente por não ter conseguido encomendar já as faixas de campeão, depois de ter visto o Sporting, o seu mais próximo perseguidor, empatar na Madeira. Naturalmente, a família portista entusiasmou-se e compareceu em massa no Dragão para participar na festa anunciada, embora adiada, por motivos de todo imprevistos, principalmente a partir da expulsão de Vítor Carvalho, reduzindo o Gil Vicente a dez elementos desde o terceiro minuto do jogo.

O que parecia um alegre passeio, condizente com o ambiente de festa, transformou-se em pesadelo. Como se não bastassem três remates nos postes (Pepê, Taremi e Francisco Conceição), Fran Navarro, espanhol que o clube de Barcelos descobriu no Valência, apesar de não ter sido convidado, resolveu oferecer uma obra de arte que gelou o estádio de espanto, pela beleza do lance, pela qualidade da execução, pelo precioso golo que assinou.

Na ausência de mais adequada argumentação, Sérgio Conceição lançou mão de uma desculpa completamente fora de moda. Em tempos idos, era normal ouvir treinadores garantirem ser mais difícil jogar contra dez do que contra onze. Pode suceder, mas existe sempre mais qualquer coisa além disso, como se verificou neste caso. Houve baixas importantes na formação portista, de que destaco Uribe, um profissional que é um exemplo admirável de regularidade, eficiência, estabilidade e segurança, mas o aspeto mais significativo está relacionado com a riqueza de soluções que o suposto plantel mais valioso do FC Porto nas últimas épocas, de repente, deixou de ter.

Abdicar de Luis Díaz no mercado de inverno e em vésperasde um clássico que poderia ser determinante na discussão do título, por imperativos de ordem financeira em detrimento das ambições desportivas do dragão, foi um erro que poderá assumir uma dimensão colossal dada a insipiência da alternativa encontrada, dado que Galeno nem sequer pode ser catalogado como uma imitação, tão grande é a distância que o separa do patamar onde se situa o colombiano contratado pelo Liverpool.

A equipa portista, embora mantendo os princípios que a identificam, ficou desequilibrada, os adversários sentiram-lhe a fraqueza e, naturalmente, vão tentar explorá-la. Foi o que o Gil Vicente fez com inatacável competência, a que acrescento a nobreza de caráter do seu treinador, Ricardo Soares, o qual, além de não ter deixado nada por dizer em termos de preparação do jogo, o que se aplaude, soube valorizar os seus jogadores e considerar os adversários.
 

BENFICA LUTARIA PELO TÍTULO SE…

N ESTA jornada, o Benfica conseguiu recuperar pontos a FC Porto e Sporting, coisa rara na presente temporada. Não dá para comemorar, mas talvez seja um sinal, ténue, de que o processo de reabilitação começou, coincidindo com a celebração do 118.º aniversário do clube.
Depois do virar de página na Liga, ou seja, desde a 18.ª jornada, não tivesse a águia, em sua casa, empatado com o Moreirense e perdido com o Gil Vicente, além de ter esbanjado mais dois pontos no Bessa, devido a uma segunda parte globalmente desleixada, por esta altura, apesar de todos os problemas que a perturbam, somaria mais sete pontos e no campeonato dos ses ocuparia o segundo lugar, a três pontos dos azuis e brancos.

Simples exercício jornalístico, de relevância alguma, e que só tem cabimento porque no primeiro quarto de hora diante do Vitória de Guimarães por duas vezes Estupiñán teve golos nos pés e por duas vezes Vlachodimos lhos negou, prova que desta vez o pessoal da Luz acordou tarde, mas se tivesse acontecido o contrário, por mais destreza do avançado ou menos atenção do guarda-redes, a história do jogo, se calhar, seria outra.

Agarrar o futuro é o objetivo, como ouvi a Fernando Seara, presidente da Mesa da Assembleia Geral, em entrevista à Renascença, sendo certo, porém, que, primeiro, é preciso compreender o passado, corrigindo erros, e preparar o presente, definindo novos rumos. Acredito que Rui Costa vai ser capaz, mas algumas medidas terão de ser tomadas no mais breve prazo de modo a recolocar o Benfica na rota das conquistas. Faltando tempo, que em futebol nunca há, deve compensar-se com diálogo, informação e esclarecimento. 
O universo benfiquista, representado no adepto anónimo, quer saber para poder compreender. Comunicar com verdade é a arma mais eficaz para Rui Costa se proteger, a si e à sua equipa de trabalho, e acabar com divisões internas alimentadas pelo oportunismo de quem, dizendo mal de tudo e de nada, aspira chegar ao poder.