'Hat Trick': o futebol ainda é um jogo
Guardiola, Son e Ortega, a Premier League num fogacho, a prova de que nem tudo pode ser planeado; esqueletos na SAD portista; que diria Sérgio Conceição?
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«O melhor treinador é o maior dos ladrões», assim definiu Fabio Capello o caminho para o sucesso. Nem sempre roubar é crime, o italiano — retirado desde 2018, coberto de glória — explica-nos que também é sinal de inteligência. Campeão de Inglaterra pela sexta vez em oito épocas no Man. City, Pep Guardiola é uma das maiores vítimas desses amigos do alheio que procuram beber do conhecimento dos colegas de profissão a confirmar a sentença ditada por Capello.
O técnico catalão, autor confesso de assalto às ideias de Johan Cruyff, o ideólogo do primeiro dream team do Barcelona, cujo cérebro era o próprio Guardiola, não parou no tempo e desmente, ano após ano, a velha máxima de que em equipa que ganha não se mexe. O mundo é composto de mudança e aos habituais acertos no plantel o timoneiro dos citizens, obcecado pelo detalhe, junta originalidades táticas e estratégicas a mostrar que há ainda espaço para (re)criar no desporto-rei.
Genial e metódico, socorrendo-se da inspiração dos predestinados nos relvados e do recurso a armas (fisiologia, biomecânica, nutrição, psicologia, análise estatística...) hoje corriqueiras mas que há 30 anos eram ficção científica. «O segredo do meu sucesso é ter grandes jogadores, Messi no passado, Haaland agora. Um técnico nunca marcou um golo», costuma dizer, modesto.
Por mais que os jogos sejam preparados ao pormenor, como se em causa estivesse missão espacial para voltarmos à Lua ou chegarmos a Marte, o futebol continua a ser um jogo e, logo, por natureza, imprevisível. Quando Son se isolou e Ortega impediu o Tottenham de empatar, para desespero dos adeptos do… Arsenal, enquanto Guardiola entrava em pânico e se deitava no relvado à espera que o alemão fizesse um milagre, a constatar que é impossível ter tudo sob controlo, lembrei-me de Carlo Ancelotti: «O futebol é o jogo mais simples do mundo.»
Son contra Ortega, na Premier League, Robben contra Casillas, na final do Mundial-2010, Kolo Muani contra Emiliano Martínez, na decisão do último Campeonato do Mundo, Eusébio contra Stepney, no tudo ou nada da Taça dos Campeões de 1968, a prova de que a última palavra pertence aos jogadores — nestes casos com os guarda-redes a imporem-se no cara a cara. Não era assim na vossa rua? Na minha era, na estrada daquele paralelepípedo de basalto com balizas de dois passos feitas de pedras desviadas dos passeios.
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À medida que os esqueletos saem dos armários da SAD do FC Porto, percebe-se que o Luís André, a comunicação social de Lisboa e os perigosos centralistas, afinal, não eram as grandes ameaças aos dragões. Enquanto Baía viajou para Macau, Koehler e Oliveira desapareceram em combate e Pinto da Costa anda por aí, os resultados eleitorais de 27 de abril justificam nova interpretação.
Nessa noite estranhou-se que 80% dos sócios tenham votado em AVB, pois não se esperava tamanha goleada, mas hoje, revelado o estado das finanças e sucessivas dívidas por pagar, o espanto é que 20% ainda tivessem optado por PC.
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Que diria Sérgio Conceição se um jogador ligado ao FC Porto até 2028 se reunisse, por exemplo, com o presidente do Marselha com terceiro lugar e final da Taça de Portugal por decidir? Talvez lhe dissesse que para representar os dragões não basta ter contrato, é preciso, acima de tudo, compromisso.