Guardiola não foi Guardiola

OPINIÃO13.05.202306:30

O discurso respeitoso e comedido de Guardiola correspondeu à atitude de uma equipa sem uma gota de irreverência

O MAU RESPEITO

OReal Madrid-Man. City não foi o jogo do ano porque, apesar de o Real ter sido o Real, o City nunca foi o City. E isso aconteceu porque Guardiola não foi Guardiola. A equipa circulou a bola com pouco ritmo e pouco risco, com temor das forças esotéricas de que foi vítima na época passada. Só lhes faltava dizer «cuidado» cada vez que faziam um passe, razão pela qual atacavam mais preocupados em não perder o controlo do que em provocar o caos. O discurso respeitoso e comedido de Guardiola desde que chegou a Madrid correspondeu à atitude de uma equipa sem uma gota de irreverência. Pep conquistou o Bernabéu com desafios táticos, como o de Messi jogando a falso nove ou com provocações dialéticas como a do puto amo [referência a Mourinho como grande chefe]. Desta vez foi todo respeito e os jogadores transformaram isso em medo. 
 

Guardiola dá instruções a Rodri no Real Madrid-Manchester City (1-1), terça-feira, da primeira mão das meias-finais da Liga dos Campeões 


ADEUS BUSQUETS, BEM-VINDO RODRI  

EXTREMOS que não ultrapassem os defesas, para não correr o risco de ficar sem a bola. Passes sem risco, para não se perder a bola. Mudanças que não se fazem para não se perder a ordem. No meio de tanta perfeição, só uma exceção se erigiu no centro do campo com a presença dominante de um ganhador e o critério de um sábio: Rodri. Deu ao jogo a dose de senso comum próprio do intermediário que é o médio-centro. Mas meteu a perna forte quando se tratava de recuperar a bola e, quando a equipa tinha bola, contagiava em cada passe com a fé que pedia um jogo desta categoria. Se se tratava de um desses jogos em que saímos a saber quem é quem, Rodri deixou claro que alcançou a maturidade. Precisamente na semana em que Busquets disse basta ao mais alto nível, Rodri mudou de jogador para líder.
 

A VÍTIMA QUE SEMPRE SOBREVIVE 

ENQUANTO isso para o Real foi mais um dia no escritório da Champions a despachar a papelada de todos os anos. Se o domina, recostase e espera por oportunidades melhores. Se o adversário dá sinais de fraqueza, os sábios aparecem discretamente para tomar conta do jogo. A inteligência artificial, quando progredir até à perfeição, concluirá com a mesma lógica e tomará as mesmas decisões de Modric e Kroos. O Real sabe, melhor que ninguém, que o futebol é um jogo de momentos. E para cada momento aplica-se a receita justa sem qualquer complexo ideológico. Se há que aproveitar a superioridade que emana do estádio, aproveita-se. Se há que marcar Haaland como uma lapa, marca-se. Se há que procurar aquela faca que é Vinícius, procura-se. Cada vez lhe assenta melhor não ser favorito. Como acontecerá na segunda mão, onde o esperará outro Partizan. 
 

GOLEADA À ITALIANA

NA meia-final, e num cenário com ambiente infernal, o Inter não esperou para declarar-se favorito. Aos 10 minutos o jogo já andava pelos ares graças à experiência de Dzeko (37 anos) e Mkhitaryan (34). A juventude tem muito prestígio, mas os mais maduros têm coisas que fazem no trabalho e que só os anos ensinam: leitura de jogo, noção do tempo, descoberta do espaço vazio, um toque inesperado... Coisas que a este nível contam mais que a mística de uma camisola. Pesam tanto que, depois desse ataque inicial, o Milan ficou tão perplexo que, pela atitude dos jogadores, não se sabia que estava a perder e, pela reação das bancadas, não se sabia que jogava em casa. 0-2 é um resultado convincente, mas o Inter cometeu um erro que só o tempo falará: deixar vivo um ferido orgulhoso.

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