Gerir o silêncio
Que se assuma, que se explique, que se esclareça. Não há nisso mal nenhum
N O passado domingo, o Manchester United beneficiou de um pontapé de penálti revertido após indicação do VAR. No tempo utilizado para alterar a decisão, ninguém reparou que Maguire, que sofreu a alegada falta, tinha partido de posição irregular (fora de jogo). Lapso importante da equipa de árbitros daquela que é considerada a melhor liga de futebol do planeta.
Dias antes, na final do Mundial de Clubes, o único golo do jogo - marcado por Pavard e que deu o título ao Bayern Munique - foi validado após demorada intervenção do videoárbitro, para aferir da legalidade da sua posição. Em todo o tempo de verificação, ninguém reparou que o defesa francês finalizou o lance com o apoio (involuntário) do braço. Segundo as regras, o golo foi objetivamente mal validado. Lapso importante, que aconteceu - repito - na final de uma competição FIFA, destinada a consagrar o melhor clube mundial do ano.
Muito recentemente, num jogo do Campeonato de Portugal, um jovem árbitro decidiu anular um golo marcado através de um pontapé de penálti por alegada simulação ilegal (a chamada paradinha) do executante. Cometeu um erro grave, não porque interpretou mal o lance, mas porque mostrou não conhecer a regra: a execução foi correta, não houve infração e o golo não devia ter sido anulado. O jogador foi injustamente advertido.
No passado mês de Outubro, o guarda-redes Pickford (Everton) teve entrada muito feia e com força excessiva sobre Virgil van Dijk (Liverpool). O árbitro, o melhor da atualidade em Inglaterra e um dos mais consagrados a nível mundial, nada assinalou. O central holandês está lesionado há vários meses, depois de uma intervenção delicada ao joelho. Michael Oliver veio agora reconhecer que ele e o VAR cometeram um erro grosseiro, porque «preocuparam-se demasiado em analisar o lance minuciosamente, frame a frame, perdendo assim o enquadramento geral da jogada». Apesar de tardio, o mea culpa foi bem aceite e mereceu rasgados elogios, porque ofereceu a perspetiva de quem decidiu lance de consequências tão graves.
A moral que estes factos encerram é muito simples: os erros acontecem e vão continuar a acontecer. É inevitável, ainda que as ferramentas agora sejam melhores. Incompetência momentânea, desconcentração pontual, foco no pormenor errado ou pura falta de experiência. Seja qual for o motivo, haverá sempre decisões infelizes.
Quando o seu impacto no jogo for evidente, quando o ruído posterior for ensurdecedor, quando as reações que lhe sucedem forem tóxicas, penso que o bom senso exige que se fale sobre o assunto. Que se assuma, que se explique, que se esclareça. Não há nisso mal nenhum, pelo contrário: há caráter, humildade e inteligência.
É certo que a arbitragem jamais terá adeptos e cada palavra falada será sempre arma de arremesso para quem só vê o que quer, mas há quem aprecie e respeite uma palavra, uma explicação plausível.
Não falar é, muitas vezes, a melhor opção mas há momentos em que pode ser lida como aceitação ou mera conformação. Nos dias de hoje, em que tudo acontece à velocidade da luz, é importante gerir esses momentos e não permitir que algo intrinsecamente humano seja perpetuado como deliberado ou malicioso. O silêncio é de ouro mas nem sempre.