Ganhar tempo: até quando?

OPINIÃO03.05.202207:00

A maior ameaça ao futuro do Benfica será uma liderança fraca e inconsequente, que vê o tempo a passar enquanto o resto do mundo avança

Eassim chegámos ao final da época, falhando em tudo o que interessava. Caminhamos agora rumo a quase três anos sem títulos e perdemos mais uma vez o acesso direto à Champions. Nada mais há para conquistar a não ser a honra de continuar a deixar tudo em campo nestes últimos minutos, esperando por dias melhores. Felizmente o lusco-fusco desta tortura chamada 2021/2022 deu-nos uma última oportunidade de comprovar o afinco dos nossos jogadores, ainda mais agora, quando só a honra lhes resta. Não sei que tipo de preparação será a do clássico deste sábado, mas não espero menos do que um Benfica dominador, agressivo com e sem bola, e capaz de abordar o jogo reconhecendo a importância que este tem para as contas dos benfiquistas. Menos do que isso e será mais uma oportunidade perdida para começar a mudar. Não há tempo a perder.
Mais do que uma época planeada para lutar por todos os títulos e conquistar tantos quanto possível - essa fantasia desvaneceu-se muito rapidamente -, esta época tem sido essencialmente uma espécie de ano zero da nova presidência do clube. Digo ano zero com algum ceticismo porque não é fácil olhar para a atual presidência como a de alguém que só chegou há 6 meses, como o próprio dizia há alguns dias a um jovem adepto no Funchal. Não deixa de ser irónico que alguém com 6 meses e alguns dias de presidência, e uma década e meia de ligação à direção anterior, precise hoje, mais do que nunca, de ganhar tempo.
É disso que parece tratar, afinal, esta época, mesmo que nos tenham prometido que estava tudo a ser planeado meticulosamente rumo à mais do que evidente apoteose no Marquês. A realidade tem sido um pouco menos interessante. Tudo o que de bom nos tem acontecido ao longo desta temporada serve essencialmente dois propósitos - se por um lado as vitórias e os feitos meritórios vão alegrando os benfiquistas e lhes devolvem algum do orgulho e do entusiasmo perdidos nestas últimas épocas, o facto é que essas boas notícias também cumprem uma finalidade: dão tempo e oxigénio a um presidente que, apesar de só levar 6 meses, aparenta ter alguns laivos de procrastinador.
Procrastinou na decisão de mudar a equipa técnica e com isso talvez tenha contribuído para hipotecar esta época. Continua a procrastinar na reação à incompetência grosseira que tem caracterizado a arbitragem esta temporada, remetendo os sócios e as entidades do futebol português para uma newsletter de eficácia nula. Procrastina nos esclarecimentos aos sócios e adeptos quanto à centralização dos direitos televisivos, fazendo o Benfica parecer um ator ingénuo neste processo. Procrastina nos resultados de uma auditoria que permitiria, aí sim, virar a página e eliminar as dúvidas acerca da cumplicidade para com o passado. Procrastina ao ser incapaz de iniciar uma nova era de transparência, prometida com toda a pompa a sócios que talvez julgasse distraídos. Procrastina em relação à revisão estatutária que tarda em ser apresentada e votada. Ao procrastinar em tudo isto, fragiliza as condições de sucesso para outras transformações, incluindo o trabalho do novo treinador, cujo perfil parece interessante mas terá de de ser enquadrado no contexto cultural e organizacional do clube. Trocando por miúdos: a maioria concorda com a contratação de um novo treinador, mas, será que estão realmente criadas as condições de base para que Roger Schmidt venha a ter sucesso no Benfica?
Eu sei. São apenas 6 meses e 22 dias à hora em que conto. Além disso foi-nos explicado que este seria um presidente com um estilo diferente, mais discreto, mais comedido nos momentos. Talvez os cabais esclarecimentos cheguem um destes dias. E, sim, eu sei que Rui Costa tem estado lá em momentos importantes, no futebol e nas modalidades, e que os atletas parecem valorizá-lo. Mas ser presidente do Benfica é mais do que cortar fitas. É mesmo uma coisa que dá muito trabalho, trabalho esse que não pode nem deve ser eternamente adiado, sob pena de nos fazer recuar e, pior, correndo o risco de ser interpretado como desrespeito pelos sócios. Por muito que Rui Costa queira continuar a ganhar tempo - e ainda tem alguns cartuchos para queimar - esse tempo continua a escapar-lhe entre os dedos. Cada dia que o Benfica vive com uma liderança tímida e enfraquecida é um dia de vida a mais para os seus rivais dentro e fora de campo. E hoje sabemos que esse rivais não são apenas os outros clubes, como demonstrado pelo regresso de Vieira com o propósito exclusivo de diminuir o atual presidente. Por isso termino dizendo, a quem ler este texto e pensar que deste pensamento divergente vêm as ameaças perante o momento atual do Benfica, está redondamente enganado. A maior ameaça ao futuro do Benfica será uma liderança fraca e inconsequente, que vê o tempo a passar enquanto o resto do mundo avança.
 

«Ser presidente do Benfica é mais do que cortar fitas. Dá muito trabalho, trabalho esse que não pode nem deve ser eternamente adiado»

E STA semana o meu Benfica ficou mais pobre. Perdemos o Luís Marques Batoque, um grande benfiquista de quem eu guardo bonitas recordações. O Luís, cujo pai com o mesmo nome foi Vice-Presidente da Mesa da Assembleia Geral e diretor do jornal do Benfica, foi - entre muitas outras demonstrações de amizade simples e desinteressada para com tantos como eu - a pessoa que mais de uma dúzia de vezes me ligou depois da meia noite, depois dos programas semanais em que participei na SIC Notícias, para me dizer do que tinha gostado mais e do que tinha gostado menos. Essa parte da conversa durava mais ou menos 10 minutos. As duas horas seguintes eram passadas a debater os temas que verdadeiramente nos interessavam, das memórias do Benfica ao que ambos desejávamos ver no clube, dos amigos à família, passando por histórias do Luís da sua temporada brasileira ou das noites do Benfica que eu não vivera (sou um pouco mais novo). O Luís foi também uma das primeiras pessoas a quem fiz questão de dizer que ia escrever n’ A BOLA, um diário que tantas memórias nos deu ao longo dos anos. Cada um dos textos aqui escritos contém uma ideia do Benfica que eu considero partilhada por muitos, e não houve um texto em que não me questionasse sobre a opinião que o Luís teria acerca do que eu aqui escrevia. Assim continuarei. A sua morte deixa um vazio em muitos de nós. A minha amizade sentida mas preguiçosa fez com que nunca lhe dissesse que ele era uma parte importante deste Benfica que tanto me apaixona. Vamos sentir a tua falta, Luís.