Foi bonita a festa, pá!
A estátua do Marquês de Pombal com o cachecol do Sporting (Foto MIGUEL NUNES)

Foi bonita a festa, pá!

OPINIÃO09.06.202411:00

Um mar de gente; tanta juventude, tantas crianças, tantas mulheres… tanta alegria, tudo feito em paz e harmonia

Os sportinguistas já estavam mais ou menos preparados para fazerem a festa após o jogo deste fim de semana, no Estoril. Mas a derrota do Benfica em Famalicão precipitou tudo. No entanto, a organização dos leões estava em alerta e preparada para o caso de ganhar o título no… sofá. Para essa eventualidade, a comitiva do futebol estava concentrada em Alvalade. E num ápice aconteceu a realização de uma festa grandiosa, espetacular, emocionante e exemplar. Que força, que enorme mobilização sportinguista! E que bonito, pá! Tantas crianças, tanta juventude, tantas mulheres. Tanta alegria, tudo feito em paz e harmonia, sem qualquer incidente, num cortejo pelas avenidas de Lisboa, com a multidão a aplaudir os campeões. E, por fim, um mar de gente feliz, na rotunda do Marquês de Pombal, numa festa em que ninguém arredou pé. Com transmissão permanente em todas as televisões, até às quatro da madrugada.

Como os tempos mudam. Antigamente o futebol e estas manifestações eram só para homens e rapazes. Também havia paixão e euforia. Mas era tudo mais comedido. Como na festa da conquista do campeonato de 1962, após a vitória (3-1) sobre o bicam[1]peão europeu, Benfica. No final do jogo houve invasão do campo, levando-se os jogadores em ombros, já quase todos descascados. Eu era rapaz, também lá andei.

As batucadas de ‘Os Vapores do Rêgo’

No século passado, os jogos realizavam-se à tarde e a forma de festejar o título era bem diferente. Havia sempre um ou outro mais popular e mais exuberante. Como o Armando Coutinho, conhecido por Penalty, que aparecia sempre com um manto real e uma coroa, exibindo-se no seu triciclo motorizado, de vendedor ambulante. Tudo verde, com uma bandeira enorme do Sporting.

O sportinguista Horácio Galã, lutador da Luta Livre Americana (Wrestling, que naquele tempo enchia o Pavilhão dos Desportos), passeava pela Baixa, uma figura imponente, com a capa com que se apresentava nos combates.

E em 1974, no tempo de João Rocha, as batucadas de Os Vapores do Rêgo marcaram uma era. Este grupo de músicos brasileiros residentes em Lisboa (no bairro do Rêgo), onde pontificava o Zé Americano, com o seu bigode, instalava-se na bancada central do Estádio José Alvalade e não parava durante todo o jogo. Aquela batucada em ritmo de samba inspirou a equipa, treinada por Mário Lino, para a conquista da dobradinha: Damas; Manaca, Bastos, Alhinho e Carlos Pereira; Fraguito e Vagner; Marinho, Nelson, Yazalde e Dinis. Chico Faria, Tomé, Baltasar, Laranjeira e o brasileiro Dé… Que grande plantel! Dizia-se que a equipa tinha mais alma e já só jogava ao ritmo do samba e da batucada. E até nós, nas bancadas, não resistíamos.

Além disso, numa iniciativa (parceria) do Chico Faria e do Vítor Damas, nesse ano apareceram também as cornetas com bandeirinha. Que grande chinfrineira naquelas bancadas. E quando as equipas saíam do túnel e entravam no relvado, pelos altifalantes ouvia-se um forte rugido do leão. Para impressionar e para criar o ambiente leonino.

Foi no ano da Revolução de Abril. Uma temporada inesquecível. Curiosamente, no final da época, para festejar a conquista do Campeonato e da Taça de Portugal, o cavaleiro Samuel Lupi convidou a equipa para passar um dia de convívio na sua herdade do Rio Frio. Naturalmente, o programa englobava um jogo de futebol com a equipa da herdade que alinhava no INATEL (4-4, com o brasileiro Dé, guarda-redes improvisado, a facilitar na baliza). E no redondel houve uma garraiada com o Fernando Tomé e o Vítor Damas vestidos a rigor, com capote e capa, para tourear os garraios. E o Chico Faria nas pegas, a fazer de rabejador. Foi há cinquenta anos. Ai que saudades, ai, ai!

Descarga de foguetes à moda da terra

Com Fernando Vaz no comando, o Sporting conquistou, com enorme superioridade (a cinco jornadas do fim), o Campeonato de 1970. E nos festejos, no topo norte do estádio, houve uma descarga de foguetes à moda da terra. Parecia que estávamos numa festa popular lá do Norte. Outra coisa não seria de esperar, partindo de gente da aldeia, conterrâneos do nosso concelho de Arganil, da terra de Manuel Marques, o saudoso massagista do Sporting e da Seleção Nacional. Lá estava o meu amigo Ramiro Filipe, do Stand Arganilense, no Campo Pequeno, com o Sérgio Francisco, e o Aristides Farra, dos Pardieiros, o Américo Filipe, do Apeadeiro, o Cesário e o António Cantigas, do Sardal, o Porfírio, o Dani e o António Mossa, do Monte Frio. E o mecânico António Sereto, o alentejano de Entrecampos. Tantos leões aguerridos.

A malta juntava-se toda, aos domingos, para ver o Sporting, em Alvalade. Há dias, numa conversa com o amigo Sérgio Francisco, recordámos essa cena de pirotecnia, tendo-nos informado que foi dele e do Fernando essa ideia de um foguetório para festejar o título. Mandaram vir uma carrada de foguetes de Viana do Castelo. E foi o Sérgio que os deitou quase todos. De tal forma que queimou as unhas e a ponta dos dedos da mão que segurava o foguete, para subir. Lesão que o impossibilitou de escrever à máquina no seu emprego. Era assim a festa! Recordou, ainda, que o Dr. Amado de Aguilar, então presidente da Assembleia Geral do Sporting, apareceu por lá, assistiu à descarga e perguntou donde eram os fogueteiros.

Em 2000 a loucura em todo o País

Mas festa rija foi mesmo em 2000, quando o Augusto Inácio levou o Sporting a ser campeão, após um interregno de dezoito anos. Caramba! Eu estava lá, em Vidal Pinheiro, a fazer reportagem na vitória (4-0) sobre o Salgueiros. Depois, no regresso, a reportagem com o presidente José Roquette, a tomar café, em Coimbra. E já pela noite fora, em Lisboa, com os jogadores a dividirem-se entre Alvalade e o Marquês de Pombal, onde o capitão Yordanov, numa grua dos bombeiros, foi colocar o cachecol no leão da estátua do Marquês. Na primeira vez que se festejou naquele local. Que loucura. Em todo o país. Depois, em 2002, com Laszlo Boloni, mais uma conquista folgada do Sporting, com Mário Jardel (42 golos) e João Pinto, uma dupla (de pai e filho) em grande destaque, a fazerem os últimos jogos pintados de verde. Com a publicidade individual do goleador: «Será do Guaraná?» Festejos em grupo foi na Praça Sony, na Expo. E agora, em 2024, foi o que se viu. Coisa do século XXI…