Félix: Górdio ou Alexandre?

As pessoas não são um número? João Félix é: 120 milhões! E agora? Como desatar o nó?

J OÃO FÉLIX não goza da presunção de que as pessoas não são números. João Félix é um número: 120 milhões. Todo o julgamento da carreira e até da vida social se faz pela bitola dos 120 milhões. E vejam o paradoxo: todos achámos o preço exageradíssimo. Mas todos pegamos nessa avaliação, que até considerámos exageradíssima, para julgar João Félix de forma que consideramos justa. 

João Félix é um tema inquinado se for avaliado pela bitola de 120 milhões e não apenas em função das qualidades que tem. Sem preço. Um e outro ponto de partida podem até chegar à mesma conclusão: João Félix está aquém de onde deveria estar. Mas só a segunda avaliação permite João Félix ser responsabilizado pela gestão de carreira que tem feito. Ele não tem de justificar terem pago 120 milhões por ele. Ele tem de justificar o que tem andado a fazer com os seus talentos.

E não, não é a mim que tem de justificar. João Félix não me deve nada. Ele é o único credor de si mesmo. Tem de olhar no espelho, desistir de encontrar culpados e responder com sinceridade a cinco perguntas: quanto valho em termos futebolísticos? Quão longe estou do lugar onde deveria estar? O que estou disponível a fazer e a abdicar para fazer justiça ao meu talento? Que legado quero deixar? O que me faz realmente feliz?

Quando foi coroado rei da Frígia, Górdio fez, no templo de Zeus, um nó impossível de desatar. O filho Midas herdou o trono, mas morreu sem deixar descendentes. O Oráculo profetizou que quem conseguisse desatar o nó Górdio herdaria o trono e dominaria o Mundo. Cinco séculos passaram e ninguém conseguiu desatar o nó Górdio. Até que, no ano de 334 antes de Cristo, Alexandre tentou a sorte. Olhou, analisou, pensou.

Desembainhou a espada e cortou o nó... E Alexandre tornou-se O Grande e de facto dominou o mundo. A lenda tem uma moral: há situações na vida que não se resolvem tentando soluções com base nos pressupostos existentes. Há momentos em que só avançamos de espada na mão, cortando tudo o que nos amarra a um purgatório de soluções que não existem.

João Félix não tem cinco séculos para tentar desatar o nó Górdio. João Félix vai ter mudar os inquinados dados da equação e ser Alexandre: usar a espada para cortar tudo o que o prende a um número e uma profecia que alguém lhe impôs. Se o conseguir, pode não chegar a dominar o Mundo, mas ainda vai a tempo de ser João Félix, O Grande.