Espero duas vezes que não
Do couraçado
EM vésperas do sorteio dos quartos de final da Champions escrevi aqui que qualquer adversário poderia servir ao FC Porto. Mas não o Liverpool. Pois quis a álea caprichosa que fosse precisamente esse - hoje por hoje, na opinião de muitos, entre os quais me conto, o esquadrão mais letal do mundo - o adversário que o Dragão tem de derrotar. Sabendo que são menores as probabilidades de lhe marcar três golos do que conseguir impedi-lo de não marcar nenhum. O que, porém, é realmente possível, desde que todos os nossos melhores joguem ao seu melhor nível. E, já agora, que não subsistam infrações graves por sancionar. Porque não há nenhum couraçado que não possa ser afundado.
Do ditador
Assaltou-me um sobressalto quando li que Teodoro Obiang havia revelado a intenção de investir no FC Porto. Teodoro Obiang? O mesmo Teodoro Obiang Nguema Mbasogo, 76 anos, que é o presidente da Guiné Equatorial há 4 décadas, na sequência de um golpe que depôs o seu tio, condenado à morte, o que faz dele o ditador mais antigo do mundo? O mesmo Obiang que é também um dos mais ricos do planeta, com um património pessoal avaliado pela revista Forbes em cerca de 800 milhões de dólares? A mesma Guiné Equatorial onde, segundo a ONU, mais de metade da população não tem acesso a água potável e 20% das crianças morrem antes de completar cinco anos? Sim, é o mesmo Obiang que no ano de 2015 financiou com dez milhões de reais a escola de samba Beija-Flor no Carnaval do Rio de Janeiro, a qual, aliás, acabaria por vencer o desfile desse ano, o que levou o ditador guineense a ser apelidado como ‘rei do Carnaval do Rio’. Deve ser por isso que se permite falar nestes termos: «Quanto ao investimento em Portugal […] a equipa do FC Porto tinha a ideia de que nós pudéssemos financiar a sua marca. Nós estivemos de acordo, mas é um aspecto que esperamos um dia conseguir.» Não e não! Espero duas vezes que não. Que o FC Porto não tivesse tido essa ‘ideia’ e que não, não, tal não venha nunca a suceder.
Da natureza
«Agressão: uma história natural do mal». Assim se intitula uma das mais célebres obras sobre o estudo do comportamento animal, a Etologia, saída da pena do austríaco Konrad Lorenz, laureado com o Nobel da Medicina em 1973. Mas toda a investigação de uma vida inteira não se compara com o seco anúncio feito esta semana pelo Departamento de Parques (SanPark) sul-africano: «Um caçador ilegal que perseguia um rinoceronte morreu ao ser pisado por um elefante e depois devorado por leões.»
Nunca deixar cair um dos nossos
FOI a 16 de dezembro último que Nuno Pinto, defesa do Vitória de Setúbal, rodeado por companheiros de equipa, treinadores e dirigentes, anunciou que lhe havia sido detectado um linfoma, que o obrigava a suspender a sua carreira. E porque é em condições extremas que melhor se conhecem os homens, Vasco Fernandes, o capitão dos sadinos, tomou a palavra e disse: «Estamos reunidos não pelos melhores motivos... Como capitão, já transmiti ao Nuno, e digo-o publicamente, que ele é um grande guerreiro e Deus dá grandes batalhas aos grandes guerreiros. Ele é forte e tem a ajuda de grandes pessoas. Estamos com ele sempre como até aqui, é um dos nossos e nunca deixamos cair um dos nossos. Vamos enfrentar isto como uma batalha que vamos vencer. Estamos aqui todos para o ajudar.» Nuno Pinto teve então de se sujeitar a tratamentos de quimioterapia no Instituto Português de Oncologia (IPO). Em Março soube-se que, segundo os últimos exames, o linfoma terá desaparecido, embora o atleta deva cumprir até 13 de Junho o protocolo clínico estabelecido para o efeito. Assim, estima-se que, em princípio, poderá regressar aos treinos já na próxima pré-temporada. Nas palavras do próprio Nuno Pinto: «Voltarei a fazer aquilo que mais gosto.»
Agora calem-se todos quantos do brilho do futebol só conhecem a penumbra. E tentem, pelo menos por instantes, imaginar que as palavras de Vasco Fernandes tinham sido dirigidas não a Nuno Pinto mas a cada um de nós.
Entrevista rápida
- Qual foi o objectivo de ter operado uma troca por troca?
- Não houve troca por troca coisa alguma. Aliás, não há nenhuma possível situação de suposta ‘troca por troca’. A troca é, por definição, uma permuta entre uma coisa e outra. Como, por exemplo, substituir um avançado por um defesa ou um defesa por um avançado. Não necessariamente um médio por outro médio. Assim, em cada substituição há uma, e só uma, troca. Logo, falar em ‘troca por troca’ é mais do que um paradoxo, é uma real contradição conceptual, aquilo a que os clássicos chamavam de contradictio in terminis.
- Seja como for, faltou ou não um elo de ligação ao conjunto?
- Não faltou nem podia faltar, porque não há elos que não sejam de ligação. Um elo é, obviamente, algo que liga. Logo, um termo contém o outro. Donde não pode também haver ‘elos de desligamento’.
- Por fim, como classifica o panorama geral da partida?
- Panorama é uma «visão ampla e abrangente sob todos os ângulos de coisas ou assuntos». Como pode querer que eu me pronuncie sobre uma redundância?