Esmigalhar o PSG
Bastará vitória por meio a zero para chocar toda a Europa e fazer o PSG do dinheiro ilimitado e moralidade finita vergar por via de esmigalhamento
EU sei. Este é um daqueles títulos que têm tudo para correr mal. Aliás, se continuarem a ler, verão que todo o texto é muito arriscado. Começo por esclarecer. O meu compromisso perante o ambicioso título escolhido, talvez até insensato, é um só: cá estarei para dar o corpo à chacota das redes sociais, se assim for. Já estive muitas vezes no lugar do que faz pouco. Como um dos tipos que criou a página Um Azar do Kralj, levo anos a divertir-me às custas dos deslizes do mundo futebolístico. Mas também é bom, uma vez por outra, correr o risco de ser o alvo da chacota.
Alguns sportinguistas lembrar-se-ão de uma previsão que fiz sobre os reforços Porro, Feddal, e Sporar. Nem eles pensavam que a coisa iria correr tão bem, mas acabou por se revelar um sucesso - a minha previsão e a época do Sporting. Custou um bocadinho ver tantos sportinguistas tão felizes a esfregarem-me isso na cara, mas não morri por isso. Estas coisas formam caráter. Isso ou tornam-se insuportáveis ao fim de algumas horas, mas é por isso que as redes sociais permitem bloquear pessoas.
Já agora, o título do texto foi roubado a um grande benfiquista amigo que tem repetido a expressão num grupo de WhatsApp, antevisão após antevisão, ou seja, vitória após vitória. Comecei por duvidar e até criticar a confiança excessiva, mas agora até eu me empolgo e acho que, conseguidas 13 vitórias e 1 empate, esmigalhar é o nosso destino mais ou menos incontornável. O exercício é relativamente simples e passa por ignorar parcialmente quaisquer elementos que a realidade possa fornecer em contrário desta tese - Messi? Neymar? Mbappé? Quem? - e contrastar isso com uma fé inabalável no futebol que o Benfica apresentou quase sempre ao longo desta época.
Não, esmigalhar não é necessariamente golear o PSG (ainda que não possamos racionalmente excluir esse cenário). Bastará uma vitória por meio a zero conquistada no último minuto para chocar toda a Europa e fazer o PSG dos astros, o PSG do dinheiro ilimitado e moralidade finita, vergar por via de esmigalhamento. Que bonito será se 11 rapazes de encarnado forem capazes de fazer justiça por uma noite no palco destinado aos campeões.
«Devemos escolher o entusiasmo com aqueles que podem ser os jogos da nossa vida», escreve Vasco Mendonça antes de o Benfica receber o PSG, amanhã, para a Liga dos Campeões
Bem sei que a minha previsão chega com um timing questionável. Afinal, o Benfica acaba de interromper uma série de 13 vitórias com um empate sem golos, tendo chegado ao fim desse jogo com um central norte-americano (dotado da coordenação motora de um porteiro de discoteca) no papel de ponta de lança. Foi tudo um pouco estranho para quem só sabia ganhar desde julho. Esteve bem o Vitória de Guimarães, que desencantou uma galhardia e consistência tática que talvez os seus jogadores não soubessem que tinham.
Podíamos ter dado mais mérito ao adversário do que demérito aos nossos, mas nem sempre é fácil fazê-lo. Eu também sofri. Depressa se abateu sobre mim a sombra dos últimos anos sem títulos, a apatia de tantos e tantos jogos em que só os adeptos pareciam querer a vitória. Será que vamos por aí abaixo novamente? Não pode. Não pode. Será o Roger quem nós queremos que seja? O stress pós-traumático tem destas coisas. Felizmente lá olhei para a tabela classificativa, respirei fundo e lembrei-me do que disse uma vez José Mourinho a propósito de um mau resultado da sua equipa. O próximo vai ter de pagar.
E o próximo é o PSG, equipa onde joga o melhor futebolista de sempre e mais duas mãos cheias de talentos absurdos. E que bom que é jogar contra estes, com todo o risco que isso implica, em vez de esperar por quinta-feira para ver a equipa entrar em campo novamente. Se pareço entusiasmado, é porque estou. Sim, a equipa do Benfica não é perfeita. O onze titular não acorda sempre inspirado. O Neres nem sempre engata. O Rafa nem sempre marca. O Roger não acerta todas as substituições que faz. O Bah nem sempre fecha bem as costas. O banco de suplentes parece curto. O Draxler nunca mais começa a jogar o que sabe. O Enzo às vezes chega a parecer humano. E sim, o Benfica talvez não vá ganhar sempre, mas ninguém me tira da cabeça que amanhã é, como diz o meu amigo Tiago, dia de esmigalhar o PSG. Esmigalhar na atitude, esmigalhar na fome de bola, esmigalhar na segunda e na terceira bola, esmigalhar na grandeza do clube, esmigalhar nas bancadas, esmigalhar na alma de miúdos como o nosso António Silva, que eu espero que levante o dedo ao Mbappé quando este levantar a garimpa para lhe explicar que isto aqui é o Benfica, e, por fim, esmigalhar a má memória do empate em Guimarães, que, espero eu, não mais será para aqui chamado. Mas, se for, manterei o prognóstico: também temos equipa para esmigalhar o pessimismo.
Se tem tudo para correr mal amanhã? Tem mas é tudo para correr bem, pela primeira vez em muito tempo. Devemos escolher o entusiasmo com aqueles que podem ser os jogos da nossa vida. Que seja mais um para recordar daqui a muitos anos. Não perguntemos porquê ou como. Perguntemos antes: porque não? Esmigalhemos pois.