Em casa onde não há pão… ainda há quem tenha razão

OPINIÃO07.03.201903:15

Na sua tradição (relativamente antiga) de autofagia e tiros nos pés, o Sporting, perante uma situação desesperada, continua a discutir quem tinha razão sobre assuntos que pouco contribuem para resolver os problemas atuais.

Delapidado por uma Direção que vivia do ego do seu presidente e de gastos sumptuosos sem retorno, o clube tem duas frentes de combate que não o ajudam. De um lado, os indefetíveis do antigo presidente, que depois de expulso, ainda assombra os locais por onde passa. Do outro, aqueles que perdendo as eleições (com justiça, ou sem ela) entendem que os seis meses passados já lhes deram razão suficiente para exigir novo ato eleitoral. Dirigir um clube assim é difícil. É de loucos.

O anúncio de que a gestora de fundos (Apollo), já com alguns interesses na área desportiva e, em Portugal, dono de duas seguradoras, poderia comprar 65 milhões de euros de títulos resultantes da antecipação de créditos do Sporting sobre a NOS (que no fundo é uma antecipação de receitas), poderá dar um certo desafogo financeiro. São boas notícias. Ou seriam, se a autofagia congénita não se entretivesse a discutir se não é uma forma de se perder a maioria do capital da SAD.

Ao mesmo tempo, Ricciardi promete levantar 200 milhões de euros, mas quer ir a eleições, porque Varandas não alertou (ao contrário do banqueiro) para a situação catastrófica do clube. Poderia ter razão, se a atual Direção estivesse a agir de forma furtiva, nas costas dos sócios. Não é o que me parece. E para que conste, fica a minha declaração de interesses: não apoiei qualquer candidato nas últimas eleições.

Como dar  cabo de boas notícias

COINCIDINDO, temporalmente, com o conhecimento da desgraça financeira do clube, mas não certamente por qualquer espírito de conspiração, o Conselho Fiscal e Disciplinar decidiu expulsar Bruno de Carvalho e Alexandre Godinho, ambos da anterior Direção. Do meu ponto de vista, fez muito bem. Aqueles dois elementos provocaram inúmeros prejuízos à instituição, mesmo depois de suspensos e demitidos. Quem não se lembra de que Bruno de Carvalho um dia pôs o Sporting (e os seus jogadores) em alvoroço ao dizer que o tribunal lhe concedera, de novo, a presidência do Sporting? Quem se esquece que estes dois elementos (o segundo é advogado) tentaram bloquear as contas do SCP? Se isto não fosse matéria para expulsão, jamais alguém seria expulso.

No entanto, o ex-presidente tem apoiantes. Poucos, mas ruidosos. A manifestação à porta do Estádio, no último domingo correu-lhes mal e ainda bem. Para um clube que precisa de investidores a instabilidade e divisão não são excelentes cartões de visita.

Claro que se pode argumentar que a divisão foi provocada por quem destituiu a anterior Direção, mas isso é esquecer que essa decisão foi tomada por 71% dos votos, confirmada em eleições em que votaram um número recorde de sócios, ao mesmo tempo que a suspensão dos elementos da anterior direção foi aprovada com percentagens superiores a 60%, sendo a de Bruno, especificamente, perto dos 70%.

E alguém quer vender o clube?

A pergunta, embora capciosa, é feita por muita gente. Eu penso que não, que ninguém quer que o Sporting não tenha a maioria na SAD. Mas devo dizer algo que poucos têm coragem de dizer: a continuarmos assim, não serão poucos os que preferirão um clube sem a maioria da SAD, mas desafogado, que saiba aguentar os seus bons jogadores, comprar outros, ter uma Academia cheia de talentos e, sobretudo, ganhar títulos, do que passar a vida nesta - para citar Camões - «apagada e vil tristeza». Este século ganhámos um campeonato (2000 ainda o conto no século passado). E desde 1982, ou seja, há 37 anos, ganhámos três campeonatos; ou quatro se recuarmos a 1980. Não me parece que seja glorioso e, embora muito tenha a dizer (e algumas vezes o disse) sobre arbitragens e fatores exógenos ao jogo jogado, todos sabemos que temos um problema estrutural. Foi esse problema que levou a um clima de desespero que, como aqui já escrevi, fez com que quiséssemos ser iguais a outros e não levar os outros a ser como nós.

Não pensem que só me movem os títulos. Nada disso, sou daqueles que prefere ser pobre, mas honrado. O que pretendo com estas linhas é alertar para que o Sporting ou aguenta a SAD, também com resultados, ou acaba por perdê-la… e com o aplauso de muitos sócios, mesmo alguns que agora batem com a mão no peito a jurar que nunca permitiriam o controlo da SAD por terceiros.

Claques e ‘hooligans’ e apoios dos clubes

SE há uma mancha por todo o futebol português são as claques e os hooligans que algumas delas abrigam. O Sporting não escapa, como é óbvio. E eu penso que em Portugal se tem de fazer uma limpeza como se fez em Inglaterra. Tem de ser a sério. Os jogos de futebol, como não deixam de dizer as pessoas decentes, têm de ser ocasiões de festa onde possamos levar a família, os filhos, os netos. Não podem ser locais de perigo e ameaça.

As claques podem ser importantes para puxar pelo clube. Mas uma das razões - estou eu convencido - pela qual a maioria dos espectadores dos estádios não puxa mais pelas equipas reside no facto de as claques organizadas fazerem mais do que suficiente barulho. Isso nem seria mau se o que gritam fosse, apenas e só, a favor do clube que apoiam. No entanto, quando derivam (e todas o fazem) para o insulto da equipa adversária (ou pior, como fez a claque do Benfica a imitar o som de um very-light que há anos matou um adepto sportinguista) penso que deveriam ser completamente banidas. Não só as Direções dos clubes, como já fez Frederico Varandas, deviam mostrar a sua oposição, como as autoridades desportivas e as autoridades do Estado (que parecem estar a preparar legislação mais dura e transparente) deveriam ter uma palavra a dizer.

Em suma, as claques são excelentes para apoiar o clube, viajar com ele, ver nos jogadores os seus ídolos. Quando era jovem e o Sporting tinha uma bancada para estudantes (com quotas e preços reduzidos) era o que fazíamos. Ainda não havia claques como hoje, mas lembro-me bem de que puxávamos e gritávamos pelos nossos. Apenas isso, com a consciência de que se trata de um jogo, de um desporto, de uma tarde ou noite bem passada. Não de uma guerra ou de uma questão de vida ou de morte.