E os 10 jogos que faltam? São no dia de São Nunca…

OPINIÃO09.04.202004:00

Voltamos à competição em maio. Não, afinal, é em junho. Ou julho, ou mesmo agosto. Pode ser em campos neutros. Com público, ou sem público. Tudo isto já foi dito e eu posso acrescentar mais soluções: com bola ou sem bola; com jogadores, ou sem jogadores; sem árbitros e tudo à tareia; só com futebolistas que testaram negativo na manhã do jogo; cada equipa com os que puder, nem que seja sete contra dois. Enfim, há muitas maneiras de acabar um campeonato, mas poucas de o fazer em termos.

Uma excelente frase define a diferença entre um otimista e um pessimista: o pessimista é aquele que diz «isto está tão mau que não pode estar pior» e o otimista é o que contrapõe «pode, pode…» Ora eu sou, deste ponto de vista, um enorme otimista ao passo que o  senhor Aleksander Ceferin, presidente da UEFA, é um brutal pessimista. Pensa que já nada pode estar pior e quer, a todo o custo, acabar os campeonatos porque há coisas importantes, como contratos, transferências, calendários e outras razões que - como se vê - são iminentemente desportivas para atribuir títulos.

Ora, se um dia havia de estar de acordo com um benfiquista em matéria de futebol, esse dia chegou. Concordo com o que aqui escreveu terça-feira Bagão Félix: «Não há condições para terminar a época.» Apesar de saber que não é essa a posição do meu clube, que a quer acabar, com esperanças, talvez fundadas, de alcançar o melhor lugar possível, que é o terceiro em vez do quarto, acho que o futebol não é tanto uma coisa burocrática, de secretaria, como pretende a UEFA. E é curioso que é esta entidade a acusar países de resolver tudo na secretaria, nomeadamente a Bélgica e a Holanda, que queriam dar a época por finda. Porém, se nos detivermos um pouco no significado real do futebol, veremos que os burocratas de secretaria são senhores como Ceferin.

O futebol a sério

O futebol a sério, como aqui escreveu José Manuel Delgado, tem de ter público, porque sem público, sem a emoção, sem as exclamações que se soltam das bancadas - da alegria do golo, ao desânimo daqueles ooooh quando a bola passa perto da baliza ou é defendida extraordinariamente pelo guarda-redes -, sem tudo isso o futebol não presta. Pelo menos para o adepto.


Eu lembro-me de Artur Jorge afirmar que gostava de ver futebol na televisão enquanto ouvia música clássica. Eu adoro ouvir música clássica (escrevo este texto ao som da 1.ª e 2.ª sinfonias de Weber), mas não enquanto vejo futebol. Admito que gente que sabe ver futebol muito melhor do que eu olhe para uma partida - do ponto de vista do jogo tático, da colocação das peças, das basculações (palavra que julguei nunca vir a escrever) - como eu para um jogo de xadrez e consiga ouvir música clássica enquanto decorre o jogo. Mesmo enquanto se joga o jogo. Mas, pobre de mim, que não tenho os dotes de analista e cientista do futebol, sou um simples tipo que gosta é de viver os jogos. Como disse um dia Rui Costa (hoje cito gente do Benfica, como se vê), «não gosto de futebol, gosto é de jogar à bola», também eu gosto é de ver bola. E a bola é toda a emoção que rodeia o esforço e o combate que se desenrola no relvado. Pode ser um jogo tático, ter imenso de estratégia e basear-se em milhares de estatísticas… Mas sem a emoção é uma chatice! Vejam os jogos à porta fechada (por alguma razão faz parte dos castigos aplicados a clubes). São sensaborões, e mesmo que os jogadores façam as tais basculações impressionantes, abram linhas de passe verticalizadas, corram pelos extremos para fazer centros milimétricos para os pontas de lança, aquilo é… nhec…


Não falando da segurança dos jogadores e técnicos, e das consequências inevitáveis para a saúde pública que a infeção de um balneário ou de uma equipa acabaria por ter (sobretudo em cidades mais pequenas do que Lisboa ou Porto), há que se ter em conta que o público também necessita de proteger-se.
Estamos há um mês (fez ontem) sem futebol. Vamos estar, pelo menos, mais um. Estamos obrigatoriamente confinados há mais de três semanas. Vamos ficar pelo menos até meados de maio. Na melhor das hipóteses. Depois disso, o regresso terá de ser muito cuidadoso, com máscaras, com distâncias de segurança, com tudo o que não há numa bancada de um grande jogo de futebol. E as equipas precisam de tempo para recuperar da paragem antes de voltarem à alta competição, sob o risco de um mar de lesões. Tudo isto nos atira para o pino do verão.

Por alguma razão os escalões inferiores encerraram a época. E o andebol e outras modalidades que irão pelo mesmo caminho. Não há condições, temos de nos render ao vírus!

O tempo das decisões

O tempo das decisões é este, se é que não passou já. Esta semana, em reunião com especialistas, onde estavam igualmente o Presidente da República e líderes dos partidos, o Governo foi aconselhado a ter calma na reabertura das aulas. Sabe-se, como é óbvio, que sem reabertura de aulas, o confinamento - com mais ou menos gente afetada - continuará no essencial. E, por isso mesmo, o Ministério da Educação faz planos para decidir a melhor forma de terminar o ano letivo.
No campo do desporto, recordemos que os Jogos Olímpicos, em agosto deste ano, foram adiados para 2021. Já tinha sido adiado o Europeu de futebol e diversos campeonatos internacionais de quase todas as modalidades.

Infelizmente, e apesar de ser esloveno, Ceferin parece querer seguir os magníficos exemplos do Tajiquistão e da Bielorrússia, onde os campeonatos continuam alegremente, até que chegue alguma coisa que os faça mudar de ideias - como aconteceu a Boris Johnson, a Donald Trump ou ao primeiro-ministro sueco, Stefan Lofven, a quem a realidade se impôs às suas teorias mais ou menos fundamentadas.

Este tempo das decisões tem a ver com muitas coisas. Desde logo, quem, e se alguém, vence os campeonatos (nalgumas Ligas é fácil, como a inglesa, noutras difícil, como a nossa); quem vai à Liga dos Campeões e à Liga Europa; quando se abre o mercado de transferências; quando começa a época 2020/2021; que devem as equipas fazer em relação à brutal quebra de receitas, e para manter as suas equipas, nomeadamente os jogadores mais valiosos.

Eu sei que ainda vamos a começar abril, mas como já escrevi, entre as hipóteses em cima da mesa temos de assumir (como na economia e em muitos outros aspetos da nossa atividade social e profissional) que este ano está praticamente perdido. Com a lenta recuperação, que nem sequer começou propriamente, pelo menos a nível global, com o risco, cada vez maior, de uma segunda vaga pandémica (dado que em nenhum lugar se atingiu a imunidade de grupo), teremos sorte se estas questões estiveram todas arrumadas e devidamente negociadas em outubro.


Como disse, sendo otimista, acho que tudo isto pode vir a estar muito pior.